André Pestana

Depois do doutoramento, teve que "pagar para trabalhar"

Quando os pais lhe perguntavam se se imaginava a dar aulas respondia: ""Stôr" não quero ser." Ainda assim, escolheu Bioquímica na hora de se candidatar à universidade. Licenciou-se em 2002, fez o estágio, começou a dar aulas. Tomou-lhe o gosto. E hoje, "stôr" é precisamente o que André Pestana mais gosta de ser. Tem 34 anos, um doutoramento e vive com um contrato a prazo que termina em Agosto. Ganha 1100 euros que, com a bolsa da companheira, de 32 anos, pagam as contas. Se para o ano conseguirá outro contrato é algo que não sabe.

Parece ter uma energia inesgotável. Começou por ser professor com um horário incompleto numa escola de Oliveira do Hospital e ao mesmo tempo frequentava um mestrado em Coimbra em Ecologia. "Fazia 160 quilómetros por dia." Depois candidatou-se a um doutoramento para fazer investigação na Amazónia. "Foi uma experiência incrível do ponto de vista científico e pessoal."

Já tinha feito 30 anos quando defendeu a tese (sobre alterações climáticas) e quis voltar à escola, como professor, com a experiência que ganhara no terreno nos quase cinco anos anteriores. As regras do Ministério da Educação dizem, contudo, que quem se candidata a um contrato é penalizado caso não tenha dado aulas nos dois anos anteriores. Resultado: no primeiro concurso ao qual concorreu foi ultrapassado por professores que tinham tido notas de licenciatura inferiores à da dele. Acabou por aceitar um horário de seis horas semanais, em Serpa, a ganhar 360 euros (o que não dava para pagar a renda da casa em Lisboa, quanto mais para ir a Serpa dar aulas de segunda a quarta). "Telefonei aos meus pais e disse: "Ajudem-me!"" Precisava de dinheiro para "pagar para trabalhar". E garantir que, no concurso seguinte, tinha algumas horas de aulas dadas para exibir.

Este ano, pela primeira vez, aos 34 anos, foi colocado numa escola, por um ano inteiro. Depois se verá. Admite que ter filhos, por exemplo, é algo que acaba por ser adiado nesta situação da instabilidade. "Nunca há só um factor para as coisas, mas na prática não há condições."

Está longe de desanimar. Constituiu com outros professores um movimento (chamado 3R) que se reúne regularmente para debater os problemas da educação. Acredita que a qualidade da escola pública deve melhorar. Diz que não vai desistir de lutar. A.S.

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