Dívidas de jogo na origem de rapto e sequestro de comerciante chinesa

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Restaurante do alegado suspeito fechado "por motivos pessoais" Paulo Pimenta

É a primeira detenção por suspeita de actos criminosos graves praticados entre a comunidade chinesa em Portugal, mas para as autoridades policiais não é ainda seguro tratar-se de actividades enquadradas na actuação de alguma das famosas máfias orientais ou apenas de um acto isolado e de contornos particulares.

Ontem, a Polícia Judiciária (PJ) anunciou a "detenção de um cidadão estrangeiro" como presumível autor de crimes de rapto e sequestro. Trata-se de um homem de 43 anos, de nacionalidade chinesa, tal como a vítima, uma mulher com 41 anos que tinha sido raptada na noite de 25 de Janeiro "quando regressava apeada à sua residência", na zona de Vila do Conde. Segundo o comunicado da PJ, a mulher foi "violentamente introduzida" na viatura do suspeito e, depois de aproximadamente uma hora de viagem, "foi ameaçada de morte, amordaçada e amarrada a uma árvore" em lugar ermo. Foi depois levada para Vila Nova de Famalicão, onde o suspeito "a colocou sob sequestro num apartamento", tendo anteontem sido libertada por elementos da Judiciária do Porto.

Na altura foi também detido o suspeito, que só hoje será levado à presença do juiz de instrução criminal de Famalicão para a competente fixação de medidas de coacção.

Ao que o PÚBLICO apurou, por detrás de tudo está a tentativa de cobrança de dívidas de jogo, actividades que tocam no mais profundo dos códigos de conduta dos cidadãos daquela comunidade oriental. O caso assume contornos inéditos para a polícia portuguesa, sendo a primeira vez que a Judiciária deslinda um situação que diz respeito às relações entre chineses residentes no nosso país.

Numa comunidade marcada pelo silêncio, pelo secretismo e por severos códigos de conduta que a levam a encontrar resolução para os problemas apenas no plano interno, os investigadores procuram agora perceber se este é apenas um caso isolado ou se trata antes de uma manifestação da actuação das famosas máfias orientais. É que, apesar de os envolvidos se dedicarem oficialmente a actividades comerciais, a violência e a severidade da actuação do suspeito estão apenas ligadas a dívidas de jogo, actividade que é normalmente explorada pelas organizações mafiosas.

E se as dívidas de jogo são questões de absoluta honra entre os chineses, muito mais grave será o facto de alguém procurar as autoridades para a resolução deste tipo de problemas. Foi isso que aconteceu neste caso, com o alerta a ter sido dado pelos familiares da vítima, facto que, para os investigadores, foi indicativo de que algo de muito grave se passaria.

O PÚBLICO falou com o líder da Associação dos Comerciantes Chineses, Y Ping Show, que começou por dizer que este é um caso de "explicação difícil". Afirmando tratar-se de pessoas "amigas e conhecidas" que mantinham negócios entre si, deixou entender tratar-se de empréstimos ligados ao jogo. "Quando uma pessoa empresta dinheiro, a outra é obrigada a pagar", disse. Quanto ao rapto e sequestro, parece ver a situação mais como uma garantia de pagamento ou, como disse, "guarda de reserva".

O habitual porta-voz dos chineses residentes em Portugal disse ainda que, nestes casos, "não fica bem meter a polícia". Porque pode "dar a entender que se trata de organizações mafiosas", coisa que, dá a indicar, não passa de uma espécie de mito.

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