Mona Lisa pode ter tido como modelo... um homem

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Silvano Vincenti explicando a sua teoria VINCENZO PINTO/AFP

Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, também conhecida por Gioconda, é provavelmente o mais célebre e mais valioso retrato de toda a história da pintura. É também um dos mais estudados, e, após séculos de controvérsias, os especialistas tendem hoje a concordar que a mulher que serviu de modelo à tela que está no Louvre se chamava Lisa Gherardini e era casada com um mercador florentino. Que surgisse agora uma nova tese a sugerir que a mulher retratada era afinal outra seria já bastante ousado. Mas Silvano Vincenti, que não é propriamente um estudioso amador - preside, em Itália, ao Comité Nacional para a Valorização dos Bens Históricos -, acaba de propor uma teoria ainda mais arrojada: a suposta mulher de sorriso enigmático seria afinal um homem, mais precisamente Gian Giacomo Caprotti, mais conhecido por Salai, alcunha que este terá ficado a dever ao próprio Leonardo (1452-1519) e que derivará da palavra italiana salaino, traduzível por diabrete.

Vincenti garantiu numa conferência de imprensa realizada quarta-feira em Roma que as suas conclusões resultam de um aturado trabalho de equipa, que envolveu vários especialistas e incluiu a análise de reproduções digitais de grande qualidade. E os argumentos para propor Salai como modelo do rosto de Mona Lisa são, no essencial, dois: há grandes semelhanças, defende Vincenti, entre os traços faciais da Gioconda e os dos protagonistas de outras telas de Leonardo às quais Salai serviu alegadamente de modelo, como a de S. João Baptista ou a menos conhecida Angelo Incarnato. O segundo argumento parece inventado por Dan Brown: a equipa de investigadores italianos assegura ter descoberto, nos olhos de Mona Lisa, duas letras minúsculas, que identificaram como um "L" e um "S". Leonardo e Salai, portanto.

O Louvre é que não parece muito dispostos a comprar a tese de Vincenti. Um responsável do museu parisiense, ouvido pela agência noticiosa France Press, garante que o quadro foi submetido - primeiro em 2001 e, mais recentemente, em 2009 - a "todas as análises laboratoriais possíveis" e que não se encontrou nenhuma letra ou qualquer outro tipo de cifra. E acrescenta que, tratando-se de uma pintura sobre madeira, o envelhecimento do quadro provocou o aparecimento de muitas pequenas fendas (craquelures), cujas formas "têm vindo a ser objecto de extrapolações". O Louvre adianta ainda que não recebeu, até ao momento, quaisquer provas documentais que sustentem a tese italiana.

"Completamente cegos"

Vincenti, cuja equipa ganhou notoriedade no final de 2009, quando descobriu e identificou, na cidade italiana de Porto Ercole, os restos mortais de Caravaggio, leva a reacção do Louvre à conta de embaraço. "Compreendo a sua incredulidade e surpresa, já que se trata da pintura mais estudada do mundo", diz Vincenti. Mas, um pouco menos compreensivo, conclui: "Eles são completamente cegos."

Filho de camponeses, Salai, ele próprio pintor, tornou-se aprendiz de Leonardo aos 16 anos e viveu com ele 25 anos, tendo sido provavelmente a relação mais estável da vida do mestre. Especula-se que teriam mantido uma relação homossexual. Leonardo faz-lhe várias referências nos seus cadernos, pelos quais sabemos que o tomou a seu cargo no "dia de santa Madalena de 1490". O artista conta ainda que Gian Giacomo praticava pequenos furtos e tinha tendência para partir coisas, e daí a alcunha que lhe deu. Pensa-se que terá sido o autor de um nu, assinado Andea Salai, ao qual terá servido de modelo a mesma Lisa Gherardini que sempre se julgou ser (e talvez seja) o modelo de Mona Lisa. E é certo que, após a morte de Leonardo, recebeu em herança a Gioconda que hoje se encontra no Louvre.

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