Manuel M. Carrilho: "Precisamos de uma nova República, e se calhar de um novo PS"

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Foto: Rui Gaudêncio

Foi desafiado por dirigentes socialistas a avançar com uma candidatura contra José Sócrates nas directas de Março, mas neste momento não responde, sequer, se pensa ir ao congresso. Nesta entrevista, feita por escrito, responde aos reptos com críticas a Sócrates e ao partido.

Está disponível para apresentar uma moção de estratégia global ao próximo congresso do PS? A sua disponibilidade para ir ao conclave depende de quê?

Precisamos de ideias novas, e só através do debate é que elas poderão surgir. Hoje sou um simples militante de base do PS e a intervenção pública que tenho tido - que procuro que seja o mais fundamentada e construtiva possível - é a que me parece mais adequada para ajudar o país a resolver os seus gravíssimos problemas. E regressei este mês à minha vida universitária, é um recomeço muito exigente em que estou muito empenhado.


Defende ser necessário fazer o balanço das governações do PS e repensar o "socialismo moderno". Que avaliação faz dos governos de José Sócrates?

O balanço devia ser um imperativo do chefe do Governo, que se deveria traduzir em conferências de imprensa abertas e regulares, como fazem Angela Merkel ou Barack Obama. O meu balanço só pode ser breve: há aspectos positivos, como a reforma da Segurança Social, a política das energias renováveis, alguma desburocratização e - apesar dos seus muitos equívocos - a política de ciência. Mas também há, e muitos, aspectos negativos: o pior vai para a Justiça, que se transformou numa ameaça real para a nossa democracia e economia. Mas há que destacar também a educação, em que a aposta no "betão escolar" não salva a política ruinosa destes seis anos.


A economia, sem qualquer orientação, fixada num embaciado e inútil retrovisor desde o começo da crise, em 2007, o que se tem traduzido num desesperante desemprego. A cultura, onde é preciso recuar até antes do 25 de Abril para se encontrar um período tão mau. E como não falar do insuportável autoritarismo e do desprezo pelo pluralismo... para esconder isto fala-se muito de determinação, mas quando ela é para a asneira, não ajuda muito, não é? De resto, é sempre intrigante quando vemos um tipo muito teimoso, mas que não sabe o que quer.

Quanto ao socialismo moderno, há todo um debate por fazer, nomeadamente desde que a crise veio pôr em causa a sua trave-mestra, que era o deslumbramento pela "financeirização" da economia e pelas novas tecnologias, que são duas faces da mesma moeda. É bom não esquecer isto, sobretudo porque foi isto que deixou Sócrates sem tapete em 2007, e o levou, durante dois anos, a negar a realidade da crise.

Concorda com a ideia de que o PS se deve "recentrar"? Em que sentido entende que o partido deve repensar o Estado Providência, o bem público e as relações entre o mercado e a democracia?

Esses são hoje realmente alguns dos mais incontornáveis tópicos da esquerda europeia, à margem dos quais o PS tem passado completamente... Propus a Sócrates que se organizasse no PS um think tank sobre esses e outros temas, mas não ligou nenhuma. Também não me surpreendeu, conheço-o há muito tempo, quando eu falo de ideias e de debates, ele pensa em espectáculo e em propaganda. Veja, como agora começou a preparar um novo espectáculo (o congresso), já está aí a pedir debate de ideias... é confrangedor!


Como vê o futuro do PS caso deixe de ser Governo antes de 2013?

O exercício do poder, que se reduz à obsessão de durar, nunca deu futuro a nenhum partido. Estes seis anos traduziram-se numa óbvia degradação de diversos valores do Partido Socialista: o pluralismo, a igualdade, a educação e a cultura, os direitos humanos. A "modernidade" foi um slogan sem qualquer conteúdo - conhece alguém que não queira "ser moderno"? A ressaca, pressinto, vai ser pesada...


Está, como sugerem dirigentes partidários, ressabiado com o seu afastamento do cargo de embaixador de Portugal na UNESCO?

Aceitei esse lugar (apesar do enorme sacrifício pessoal e familiar que ele implicava) como missão, e sem perceber que o Governo não estava interessado em nenhuma das causas da UNESCO: cultura, educação ou direitos humanos.


Os lugares, para mim, são missões que exerço com empenho, mas também com desprendimento - penso que no meu comportamento já deixei isso claro, e várias vezes. E os meus valores fundamentais não são negociáveis. Mas factos são factos: se aqui há "ressabiados", não sou eu - não se esqueça que o meu afastamento da UNESCO foi anunciado a seguir a uma entrevista ao Expresso, onde falava do meu novo livro E Agora?, que recolhia as minhas opiniões e reflexões desde 2007 e acrescentava o programa para uma nova República. É isso que penso, precisamos mesmo de uma nova República - e se calhar também de um novo PS...

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