Ordem para reprimir não trava protestos dos egípcios contra o regime de Mubarak

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Nas ruas do Cairo assistiu-se ontem a um violento jogo do gato e do rato GORAN TOMASEVIC/REUTERS

Violência deixa dois mortos no Cairo, um polícia e um manifestante, enquanto na cidade de Suez foi incendiado um edifício governamental. Os EUA pediram reformas ao Governo aliado

O Ministério do Interior avisou que não toleraria um segundo dia de protestos no Egipto. Mas os manifestantes não desistiram e desafiaram, aos milhares, a ameaça em cidades como o Cairo e Suez. Foram detidas mais de 800 pessoas nos dois dias de revolta contra o regime de Hosni Mubarak.

Na capital morreram duas pessoas, um manifestante e um polícia, depois de um dia de um violento jogo do gato e do rato entre manifestantes e autoridade: as forças de segurança dispersavam uma manifestação num local e, passado pouco tempo, apareciam protestos noutro sítio.

No Cairo, um camião antimotim avançou sobre manifestantes para os dispersar; agentes vestidos à civil arrastaram e espancaram quem estava na rua, gás lacrimogéneo afastou protestos. Houve tiros para o ar, balas de borracha.

Na cidade Suez (no lado sul do Canal), um edifício governamental foi incendiado por um grupo em fúria (o fogo foi extinto antes de o edifício arder totalmente) e o gabinete local do partido do Presidente Mubarak foi alvo de cocktails molotov.

Confrontos na cidade acabaram com pelo menos 70 feridos, 55 manifestantes e 15 polícias, segundo fontes hospitalares citadas pela Reuters.

Na véspera, tinham morrido três manifestantes em confrontos em Suez (no Cairo morreu um polícia). Ontem de manhã, centenas de pessoas tinham-se juntado à porta da morgue onde estava o corpo de uma das vítimas do dia anterior, exigindo que este fosse dado à família.

Detenções violentas

Já depois do anoitecer, vários milhares continuavam reunidos no centro do Cairo, relata a Reuters. "As pessoas querem que o regime caia", gritaram.

As manifestações começaram terça-feira, convocadas para protestar contra o desemprego, a pobreza, o aumento dos preços e a corrupção. Mas nesse dia houve dezenas de milhares de manifestantes nas ruas, em cenas não vistas no país desde que Hosni Mubarak está no poder, ou seja, há quase 30 anos. Inspirados pela revolta na Tunísia, manifestantes gritaram contra o Presidente, rasgaram os seus retratos, pediram o fim do regime.

Ontem, muitos resolveram continuar, apesar do forte aviso das autoridades de que não tolerariam mais protestos.

A violência das forças de segurança foi por vezes brutal. Um jornalista do diário britânico The Guardian, Jack Shenker, conta como foi apanhado por agentes à civil dos temidos serviços de segurança do Estado, perto da Praça Tahrir, onde a polícia tinha dispersado os protestos com gás lacrimogéneo seguido de uma carga sobre as pessoas.

Seguiram-se uma série de agressões e uma viagem de pesadelo numa carrinha com detidos, entre eles vários feridos e um diabético em coma, que acabou, muito mais tarde, por ser levado ao hospital, conta Shenker. O jornalista acabou por ser libertado.

Os EUA mudaram entretanto o tom em relação ao seu aliado e pediram reformas e autorização para protestos pacíficos. A secretária de Estado Hillary Clinton, que na véspera tinha afirmado apenas que o regime estava estável, veio hoje dizer que o Presidente Mubarak deveria aproveitar esta oportunidade para efectuar mudanças: "O Governo egípcio tem neste momento uma oportunidade para levar a cabo reformas políticas, económicas e sociais que respondam às necessidades e interesses legítimos do povo egípcio."

Washington tem no Egipto um aliado fulcral na região e teme os efeitos regionais de instabilidade no país.

As manifestações estão entretanto a alarmar investidores: a bolsa do Cairo desceu ontem seis por cento e a libra egípcia atingiu o valor mais baixo dos últimos seis anos face ao dólar.

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