Comissão diz que reguladores e bancos são culpados de uma crise financeira que era “evitável”

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Greenspan é um dos visados pelo relatório Reuters/Toby Melville

São mais de 500 páginas e muitos nomes a culpar. A Comissão de Inquérito da Crise Financeira divulgou hoje o relatório onde explica o que levou à crise e quem está por detrás dela.

A primeira premissa é que a crise financeira que assolou os EUA e depois o mundo em 2008 era “evitável”. Mas o Governo, os reguladores e a alta finança de Wall Street não entenderam os riscos e, em muitos casos, não fizeram o que deveriam ter feito.

“A maior tragédia é aceitarmos que ninguém podia ter previsto que isto ia acontecer e que, por isso, nada pudesse ser feito”, diz o relatório da Comissão de Inquérito da Crise Financeira. “Se aceitarmos esta desculpa, [a crise] vai repetir-se outra vez”, sublinha.

A comissão que, durante um ano e meio, passou a pente fino milhões de documentos, entrevistou mais de 700 pessoas e realizou 19 audiências públicas, aponta o dedo às “falhas generalizadas na regulação financeira”, à “falência dramática da gestão do risco” e ao “excessivo nível de empréstimos”.

Além disso, considera que o Governo, na altura liderado por George W. Bush, estava “mal preparado” e deu uma resposta “inconsistente”, ao decidir salvar o banco Bear Stearns e depois deixar cair o Lehman Brothers, a falência que precipitou toda a crise que se seguiu.

A cultura de desregulação financeira promovida pelo antigo presidente da Reserva Federal (Fed) norte-americana, Alan Greenspan, também merece fortes críticas por parte da comissão, mas é ao actual presidente, Ben Bernanke, que cabem algumas das revelações mais surpreendentes do relatório.

Numa entrevista aos membros da comissão, Bernanke admitiu que a crise financeira de 2008-2009 foi maior do que a Grande Depressão e que 12 das 13 maiores instituições financeiras norte-americanas estiveram em risco de falir em apenas uma ou duas semanas.

“Como especialista da Grande Depressão, acredito sinceramente que Setembro e Outubro de 2008 foram a pior crise financeira da história mundial, incluindo a Grande Depressão”, disse Bernanke à comissão, em Novembro de 2009.

“Se olharmos para as instituições que estiveram sob pressão nesse período, apenas uma não apresentava um risco sério de colapso”, admitiu o actual presidente da Fed, não revelando qual o banco que estaria em condições de escapar a uma falência generalizada.

Reguladores “não estavam nos seus postos"

A comissão de inquérito concluiu que os grandes bancos – do Citigroup ao Lehman Brothers –, bem como grandes instituições como a AIG e a Fannie Mae “agiram sem prudência, assumindo demasiado risco, com muito pouco capital”. A cultura das instituições financeiras deixou de lado a gestão de risco, encorajando os funcionários a firmar acordos rentáveis no curto prazo, que lhes trariam também apetecíveis bónus.

A agravar o cenário, os reguladores governamentais “não estavam nos seus postos”, mantendo a sua fé inabalável de que os mercados se conseguiriam auto-regular e resolver por si mesmos quaisquer desequilíbrios.

A Reserva Federal é uma das instituições mais apontadas pela comissão, por ter contribuído para que os bancos se afundassem em activos tóxicos, graças à sua política de baixas taxas de juro e à falta de regulação no mercado do crédito. Além disso, a comissão questiona mesmo a decisão da Fed de não salvar o Lehman Brothers.

A comissão chegou ainda à conclusão de que houve instituições com comportamentos particularmente condenáveis durante os meses em que a crise rebentou. Foi o caso do Goldman Sachs. O relatório revela que o banco terá fornecido milhares de milhões de dólares a instituições que concediam empréstimos imobiliários de alto risco (o chamado subprime). Depois, assegurou esses empréstimos e vendeu-os a investidores por todo o mundo, com o auxílio das agências de rating que davam elevadas notas positivas aos produtos vendidos pelo Goldman aos seus clientes.

Ao mesmo tempo, o Goldman envolveu-se em esquemas financeiros que ampliaram a crise, ao permitirem a investidores não só investirem nos empréstimos, mas especularem se eles iriam aumentar ou baixar. Pior ainda: o banco também apostava contra investimentos que tinha criado e vendido a outros. Quando os preços das casas entraram em colapso, todos começaram a perder.

Uma comissão dividida

A Comissão de Inquérito da Crise Financeira, inicialmente constituída por dez membros, acabou por só conseguir que seis subscrevessem o relatório final. A divisão é política, já que só os democratas assinaram o documento.

Os políticos republicanos que integravam a comissão recusaram subscrever o relatório final, alegando que este é demasiado “à esquerda” e ignora os desequilíbrios mundiais que contribuíram para a crise.

Três dos republicanos dissidentes – Keith Henessey, Douglas Holtz-Eakin e Bill Thomas – emitiram hoje outro documento com as suas opiniões, onde retiram claramente a culpa ao ex-presidente da Fed Alan Greenspan, dizendo que “a política monetária norte-americana contribuiu para a bolha do crédito, mas não a provocou”.

O quarto republicano que não assinou o relatório original – Peter Wallison – também redigiu um documento, em que defende que foi sobretudo a política norte-americana para o mercado imobiliário que provocou a crise.

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