Sistema financeiro tem de aprender com a natureza e vacinar os propagadores de doença

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Estudo sublinha a necessidade da diversidade, tal como na natureza AFP

Um director do Banco de Inglaterra e um professor de Zoologia publicaram na revista Nature um estudo que liga o sistema financeiro à Biologia e a outras ciências

Se o sistema financeiro internacional olhasse mais para o funcionamento dos ecossistemas da Natureza e para a forma como determinadas doenças infecciosas se propagam, talvez os bancos não tivessem passado recentemente por tempos tão atribulados.

A dupla de autores que formulou esta ideia invulgar é formada por Andy Haldane, um alto quadro do Banco de Inglaterra, e Robert May, professor de Zoologia na Universidade de Oxford e ex-consultor científico do Governo britânico. Os dois fizeram um estudo que relaciona o sistema financeiro com a Biologia e outras ciências e publicaram-no na semana passada na Nature, uma das mais conceituadas revistas científicas.

As conclusões a que chegam são, nalguns casos, surpreendentes: foi por os bancos serem todos demasiado parecidos que o sistema financeiro entrou em crise e os modelos de regulação actuais não minimizam os riscos de colapso, desde logo porque não actuam sobre os "superpropagadores de doenças".

Mas comecemos pelo princípio. Em Setembro de 2008, o sistema financeiro e a economia mundial precipitaram-se para o abismo, com a falência do banco Lehman Brothers. De acordo com Andy Haldane, que falou com o PÚBLICO via email, "este tipo de colapso é comum em várias redes, desde as doenças infecciosas às redes de energia, passando pelos fogos florestais ou pela própria Internet, e é a dinâmica destes sistemas que poderá ajudar a desenvolver modelos económicos que integrem os efeitos de contágio da falência do Lehman".

Até aos anos 70, os cientistas naturais acreditavam que, quando mais complexo um ecossistema fosse, mais estável era. Ou seja, podia-se perder toda uma espécie, mas o resto do sistema continuava a funcionar. Mas Robert May e outros ecologistas acabaram por mostrar que estes ecossistemas tão complexos tinham pontos críticos e que a mudança numa só espécie podia ter um efeito dramático e pouco previsível nas outras. A nova lógica era: quando maiores são as conexões entre as espécies e menores as diferentes entre elas, maior é o risco de todo um ecossistema entrar em colapso.

Iguais e vulneráveis

No estudo publicado na Nature, Robert May e Andy Haldane partem da adaptação de modelos matemáticos para concluir que o sistema financeiro se comporta de forma semelhante aos ecossistemas. Mas há um problema: os banqueiros e os reguladores ainda pensam como pensavam os cientistas da natureza até aos anos 70.

"Os ecossistemas mostram-nos que a diversidade é realmente importante para ter robustez e isso é uma lição importante para o mundo financeiro", diz ao PÚBLICO Andy Haldane. Nos anos que antecederam a crise, cada banco procurou, de facto, diversificar-se, investindo em novos instrumentos financeiros, por vezes demasiado arriscados, como depois veio a comprovar-se.

Só que, na busca individual pela diversidade, os bancos fizeram todos as mesmas apostas e o sistema tornou-se excessivamente homogéneo. "Conclusão? Uma falta de diversidade que tornou o sistema financeiro mais frágil. Resultado? O colapso", conclui o director para a estabilidade financeira do Banco de Inglaterra. É isto que explica também por que é que os hedge funds (fundos de investimento), que se pensava que entrariam mais facilmente em colapso, acabaram por sobreviver à crise em melhor forma do que os próprios bancos, visto serem um sector mais pequeno, diversificado e especializado.

De acordo com os autores do estudo, as entidades reguladores não se aperceberam dessa excessiva homogeneidade da banca porque têm uma abordagem demasiado "micro", centrada individualmente nos bancos e que, por isso, deixa de fora os factores de risco sistémico. O mesmo aconteceu, por exemplo, no sector das pescas. Nos últimos 50 anos, a gestão da produção tem sido feita espécie a espécie, procurando maximizar o rendimento de cada peixe, como o bacalhau. Mas, quando algumas zonas de pesca entraram em colapso, os biólogos marinhos perceberam que não podiam proteger uma espécie sem considerar todo o ecossistema e, nomeadamente, sem proteger as outras espécies das quais o bacalhau se alimentava.

0s "superpropagadores"

Mas não é apenas com os ecossistemas que os bancos têm parecenças. De acordo com os autores do estudo, há também uma correlação entre a banca e doenças infecciosas como a sida. Tal como os médicos têm de descobrir quais são os focos propagadores de uma doença infecciosa, para evitar que esta se espalhe e contagie outros, os reguladores do sistema financeiro têm de ver quais são as instituições que colocam um maior risco a todo o sector. E, para isso, têm de concentrar-se nos grandes bancos.

"As entidades reguladoras têm tratado os bancos da mesma maneira, sem considerar o seu tamanho e raio de extensão", considera Andy Haldane. O responsável do Banco de Inglaterra diz que, aplicando à banca as dinâmicas das doenças infecciosas, os reguladores têm de olhar com especial atenção para os "superpropagadores" - as instituições de maior dimensão e com mais relações e conexões dentro do sistema. Ou seja, aquelas que são demasiado grandes e importantes para cair. Mais ainda: os reguladores têm de as vacinar. "Daqui para a frente, precisamos de uma regulação financeira que vacine, através da exigência de mais capital e liquidez, estes bancos grandes e complexos que são propagadores de doenças no sistema financeiro", conclui Andy Haldane. No passado, houve uma tendência para que fossem exigidas reservas menores de capital aos grandes bancos e, segundo Haldane e May, isso tornou o sistema financeiro mais vulnerável a um choque como o que se deu após a queda do Lehman Brothers.

Os autores defendem que os reguladores devem assumir uma atitude preventiva, obrigando os tais "super-propagadores" a terem maiores reservas de capital e maior liquidez, de forma proporcional ao risco sistémico que representam. Além disso, as dinâmicas dos ecossistemas mostram que, para ser saudável, o sistema financeiro tem de se diversificar. Outra solução é ter uma configuração mais modular, como a das redes de computadores, o que impediria que, quando um elemento fosse afectado, arrastasse consigo todo o sistema.

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