Couceiro pode ser tão ou mais importante que o próximo líder

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“Couceiro conhece os meandros do dirigismo português e saberá o que o Sporting precisa de fazer para voltar a ter um papel influente e interventivo nos órgãos decisórios”

A saída de cena de José Eduardo Bettencourt e as eleições marcadas para 26 de Março têm sido vistas como o fim de um ciclo num Sporting cada vez mais em agonia. Basta ler muita da opinião pública e publicada, designadamente os fóruns de adeptos, para se concluir que a maioria entende que é chegada a hora de terminar com o “baronato” e com a linhagem que comanda o clube há 16 anos, desde que Santana Lopes sucedeu a Sousa Cintra, após ser colocado na presidência por José Roquette, que só demorou um ano a substituir o que viria a ser líder do PSD. Apesar de muito repetida, trata-se de uma falsa questão.

Primeiro, porque o Sporting foi quase sempre um clube gerido por uma certa aristocracia lisboeta. Segundo, porque José Eduardo Bettencourt até já fugia um pouco àquele estereótipo, porque a sua faceta de adepto de bancada sempre se superiorizou à de membro de uma certa aristocracia intelectual, como, para mal dos seus pecados, saltou à vista no seu ano e meio na cadeira presidencial. Finalmente, porque, qualquer que seja o próximo presidente do Sporting, a sua acção será sempre fortemente condicionada pelos constrangimentos financeiros (a menos que surja um abastado e benemérito candidato, o que não é de todo previsível) e pela boa vontade das duas entidades bancárias que são credoras de boa parte do passivo da SAD do Sporting e que, dentro de cinco anos, até podem vir a assumir uma posição maioritária na sociedade desportiva do clube de Alvalade. Ou seja, o que verdadeiramente fracassou foi todo o edifício resultante do que, há década e meia, ficou conhecido por “Projecto Roquette” e que, nos dias que correm, parece funcionar mais como um garrote estrangulador do que a prometida solução mágica para todos os males. Porque não é razoável que a reformulação encetada tenha incluído a construção de um estádio, que, dizia-se, iria ter como dinamizador um centro comercial (Alvaláxia) e edifícios adjacentes que acabaram por ser vendidos ao desbarato, com o agravante de o Sporting dever agora o correspondente a três estádios ou até mais. E, nisso, Bettencourt está longe de estar entre os principais culpados.

Sendo assim, os sócios do Sporting deviam naturalmente preocupar-se em escolher o melhor dos candidatos que venham a entrar na corrida eleitoral, mas deviam também ter consciência de que uma política de terra queimada só ajudará a agudizar a crise. Até porque entre a herança de Bettencourt há, pelo menos, uma coisa que pode e deve ser salvaguardada: José Couceiro.

Quando assumiu a presidência, Bettencourt propôs-se principalmente conseguir a aprovação do plano de reestruturação financeira e encerrar as negociações com a banca que já vinham a ser buriladas no tempo de Soares Franco, uma “operação harmónio” (com a emissão de 55 milhões de VMOC pelo meio) que não pode ser vista como uma solução milagrosa, antes como a única saída possível para a SAD “leonina”. Conseguiu-o pouco antes de bater com a porta, como já tinha conseguido finalizar o acordo com a Câmara de Lisboa. Deu também os primeiros passos para a construção do prometido pavilhão, tendo ficado por fazer a revisão estatutária. Deu ainda sinais de que iria inverter a política de aposta quase em exclusivo na formação para passar a intervir de forma mais agressiva no mercado, tentando assim reduzir a diferença de investimento para os seus principais rivais. Hoje percebe-se que isso foi feito sem grande critério e o suficiente bom senso. Quem anda a contar os tostões não pode gastar 6,5 milhões de euros no avançado francês Pongolle e, pouco tempo depois, emprestá-lo ao Saragoça.

O somatório destas importantes questões contribuiu para as críticas, de vários quadrantes, que levaram Bettencourt a desistir prematuramente do seu sonho de criança. Mas, no essencial, ele acabou foi por pagar bem caro o insucesso desportivo e um conjunto de intervenções públicas em que foi ingénuo e/ou inábil. Tivesse a equipa de futebol conseguido resultados aceitáveis e ninguém lhe estaria agora a atirar à cara os três directores desportivos, outros tantos treinadores, o “Paulo Bento forever”, a troca de murros entre Sá Pinto e Liedson, o trespasse da Academia de Alcochete e do estádio do clube para a SAD, as polémicas com Izmailov, a venda de João Moutinho depois de o capitão ter sido transformado em “maçã podre” e os 27 milhões de euros gastos na contratação de 18 jogadores em apenas 19 meses - é curioso que no rol de pecados que lhe vêm sendo apontados seja quase sempre ignorado o falhanço duplo na contratação de André Villas-Boas, o que não é despiciendo, tendo em conta o sucesso do técnico à frente do FC Porto.

Bettencourt falhou em toda a linha na gestão desportiva. Por culpa própria ou por delegação. E nunca foi eficaz no teor e no timing das mensagens que pretendeu passar. De facto, depois de ter sido criticado por se comportar como um adepto em diversas circunstâncias, como que acabou por vestir a pele de treinador para anunciar a demissão após uma derrota.

Provavelmente não teria tido necessidade de o fazer se tivesse optado, logo no início, pela designação de alguém com o perfil de José Couceiro para o lugar de director-geral (que não é incompatível, como muitos tentam fazer crer, com o lugar de director do futebol, chame-se ele Costinha ou outro qualquer). Porque é difícil encontrar alguém que, aos 48 anos, tenha tantas vivências diferentes no futebol português e não só.

Couceiro já foi presidente do Sindicato de Jogadores, administrador da SAD do Alverca, director desportivo do próprio Sporting, treinador de vários clubes, incluindo o FC Porto, e seleccionador dos sub-21. Já treinou a selecção e um clube na Lituânia e experimentou também o futebol turco. Na generalidade, foi-lhe sempre elogiada a competência e a capacidade de gestão quer dos processos, quer das relações humanas. Apesar de não fazer alarde disso, até o facto de ser sobrinho-neto de Fernando Peyroteo lhe pode facilitar a vida, pelo menos entre os que ainda têm memória d’“Os Cinco Violinos”.

Com ele, e a menos que surja um mecenas caído do céu, o Sporting continuará a não ter dinheiro para grandes aventuras. Mas terá, pelo menos, alguém que entende e sabe actuar no intrincado futebol português. E que é capaz de destrinçar o essencial do acessório. Couceiro sabe como poucos que a aposta na Academia de Alcochete deve ser valorizada, hoje mais do que nunca, até pela nova realidade que irá resultar do fair play financeiro que a FIFA vai impor. Sabe igualmente que isso tem de ser coordenado com uma política sagaz no que toca à exploração do mercado nacional, que comporta menos riscos. Claro que haverá sempre necessidade de recorrer aos jogadores estrangeiros, mas sempre numa lógica de complementaridade e de promoção e negócio futuro. O Sporting precisa de aprender a vender melhor e na altura certa, mas até para isso vai ser preciso dar outra credibilidade a um plantel hoje muito desvalorizado.

Depois, Couceiro conhece também os meandros do dirigismo português e saberá também o que o Sporting precisa de fazer para voltar a ter um papel influente e interventivo nos órgãos decisórios, algo que há muito vem sendo desprezado.

Mas, para que tudo isto funcione, o Sporting precisa de encontrar um presidente que se concentre essencialmente nos dossiers em aberto, na gestão financeira e na criação de novas receitas. E que reduza ao mínimo a sua exposição mediática, não tenha a tentação de reclamar a pasta do futebol ao primeiro resultado negativo e não ceda às ameaças das claques.

bprata@publico.pt

É difícil entender a renúncia de Tiago à selecção

Tiago acaba de renunciar à selecção, seguindo assim o caminho trilhado por Deco, Miguel, Simão e Paulo Ferreira logo após o Mundial. Todos eles explicaram a decisão com motivos de ordem pessoal e a vontade de facilitar a afirmação de novos valores, argumentos respeitáveis mas que parecem saídos de uma cartilha usada por quem começa a estar saturado de estágios, concentrações e tudo o mais. Apesar de tudo, o caso de Tiago acaba por ser o mais surpreendente. Deco tem 33 anos e vive o ocaso da sua carreira, como se confirmou pela decisão de deixar o Chelsea e voltar à tranquilidade do futebol brasileiro. Paulo Ferreira e Miguel têm, respectivamente, 32 e 31 anos, e a sua decisão também acabou por ser um pró-forma, porque o seu tempo na selecção estava à beira de se esgotar. Simão também tem 31 anos, mas ainda poderia ser útil. Ficou a ideia de que terá decidido abandonar por não ter garantida a titularidade, demais a mais agora que Nani se está a tornar num caso sério. No que respeita a Tiago, é mais difícil de entender. Tem apenas 29 anos e continuava a reunir mais do que condições para ser um jogador importante na selecção, pelo menos no Europeu do próximo ano. Isso mesmo deixou transparecer Paulo Bento nos últimos jogos. Pouco dado a polémicas, Tiago lá terá os seus motivos. Mas não é fácil percebê-los.
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