Cidadãos criam espaço para agricultura não convencional no centro do Porto

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Sábado, o primeiro dia do projecto, foi destinado à limpeza dos terrenos Fernando Veludo/NFACTOS

Movimento pretende aproveitar terrenos abandonados para fazer agricultura sem recurso a químicos. Qualquer pessoa pode cultivar um lote no centro do Porto. Sem qualquer custo.

Encontrar terrenos abandonados nos quais se possam desenvolver projectos de agricultura sem recurso a produtos químicos. Numa frase, talvez seja esta a melhor forma de definir o projecto Quinta Musas da Fontinha, que arrancou sábado e que juntou cerca de 40 pessoas só no primeiro dia.

A ideia de Francisco Flórido, membro do movimento Terra Solta e mentor do projecto, é simples: encontrar terrenos para distribuir lotes de terra agricultável no centro do Porto. Tudo sem submissão a qualquer tipo de "lógica economicista", nota Francisco Flórido, um engenheiro agrónomo para quem a grande vantagem deste projecto é provar que o "espírito cooperativo entre cidadãos pode funcionar".

Na Rua do Bonjardim, no Porto, foram já distribuídos os primeiros 11 lotes (que têm entre 25 e 75 metros quadrados). Os terrenos são geralmente privados, mas estão abandonados ou sem qualquer utilidade. "O que propomos ao proprietário é uma espécie de contrato de comodato", explica o engenheiro agrónomo. "As pessoas cedem-nos o terreno e, em troca, comprometemo-nos a mantê-lo limpo e produtivo." A única obrigação assumida por quem cultivar o lote é utilizar técnicas que respeitem a agicultura biológica, biodinâmica ou permacultura.

A ideia parece ter pegado: no sábado, entre associações ambientais, sociais e recreativas e participantes a título individual (apareceram casais desde os 30 aos 70 anos), passaram cerca de 40 pessoas pela Associação Musas da Fontinha, que cedeu o principal terreno para o projecto (com 400 metros quadrados). Nem todas estavam interessadas em adquirir lotes e esse foi um dos pontos que mais impressionou Francisco Flórido: "Houve gente que apareceu só para ajudar." E ajudar significou sobretudo meter mãos à obra e limpar terreno - a primeira das etapas do processo.

Cada um levava o que tinha - moto-serra, luvas, sementes - e todos iam participando. "Criámos uma comunidade em autogestão", orgulhou-se o mentor do projecto.

As linhas de acção e as regras não estão completamente definidas, mas há muitas ideias no ar: criar espaços para a preservação de fauna e flora natural, lagos, um forno de adobe (barro), limpar o poço existente no terreno, integrar animais (abelhas incluídas) no espaço para melhorar o ecossistema, criar periodicamente feiras para venda de alguns produtos, são algumas delas. E ainda organizar workshops sobre agricultura sustentável do ponto de vista ambiental.

A entrada para o terreno faz-se pelo n.º 998 da Rua do Bonjardim, a sede da Musas. É também lá - e através do e-mail da associação Terra Solta - que os interessados podem obter mais informações sobre o projecto.

A ideia agora é ir desbravando terreno adjacente: um dos vizinhos do Musas já cedeu a sua propriedade (90 metros quadrados, destinados à Associação Vida Alternativa) e acredita-se que outros poderão seguir o mesmo caminho. "O espaço onde estamos agora já esteve abandonado e, depois de muito trabalho, conseguimos fazer agricultura aqui. É isso que pretendemos que aconteça aos outros terrenos", explicou Hugo Sousa, da Associação Musas da Fontinha.

Há todo um processo de "transferência de saberes" que interessa particularmente a Hugo Sousa. E as diferentes associações que foram comparecendo ao longo de sábado sugerem que essa tarefa não será complexa. A Associação Colectivo Germinal, por exemplo, que trabalha com crianças desfavorecidas, já "arrendou" um espaço com objectivo bem definido: fazer hortas pedagógicas para os mais novos. É um "ponto de partida", diz Francisco Flórido, para quem está demontrado que as hortas urbanas também suscitam interesse no Porto, apesar de esta cidade ainda mal ter acordado para a tendência.

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