Admirável mundo novo

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Quando Aldous Huxley, em 1932, publicou o seu célebre livro Admirável Mundo Novo, deixou para o futuro uma obra que tenta demonstrar como é decisivo preservar a liberdade individual face ao autoritarismo do Estado. E quando, cerca de 20 anos depois, publica The doors of perception, não sabemos até que ponto tinha a convicção de estar a lançar as bases da cultura hippie, que viria a tornar-se tão marcante nos anos 60. Este escritor britânico - para alguns mais ensaísta do que romancista -viria a morrer em 1963, no mesmo dia em que o Presidente dos EUA John F. Kennedy foi assassinado. Antes de morrer, impossibilitado de falar, Huxley pediu por escrito à mulher uma injecção intramuscular de 100 microgramas de LSD, uma droga alucinogénea então em voga, e que seria cautelosamente publicitada pela célebre canção dos Beatles Lucy in the Sky with Diamonds.

Apesar de ter lido vários livros de Huxley no início da década de 60 e de até ter discutido Contraponto e Admirável Mundo Novo em clube literário no final do liceu, só consegui escrever esta introdução com recurso a uma pesquisa na Internet. A minha boa memória reteve fragmentos das obras literárias de Huxley, mas esqueceu as circunstâncias da sua vida acima descritas. Num instante, o meu computador ligou-se ao Google e os dados apareceram.

Huxley estava longe de prever o que se passa nos primeiros dez anos do século XXI. A revolução da Internet garante a democratização do conhecimento, o acesso rápido à informação, a possibilidade de contacto com muitas pessoas, o entretenimento permanente. Mesmo nesta última vertente da diversão, os jogos electrónicos permitem, nas crianças, o desenvolvimento de algumas novas formas de pensar que poderão ser úteis: usando a Internet, os mais novos podem comunicar ideias e compreender questões através de novas imagens de uma maneira que não era previsível no final do século XX; e as redes sociais, com destaque para o Facebook, permitem relacionamentos outrora impossíveis.

A questão é que tudo parece fácil, obtido sem esforço e, muitas vezes, sem a necessária reflexão. A Internet forneceu-me os dados sobre a vida de Aldous Huxley, mas nada fez sobre as emoções que senti quando o li há 40 anos, nem trabalhou, dentro de mim, a sua influência no início da minha vida universitária.

Para que uma criança triunfe no futuro, tem de ir para além da informação imediata. Tenho a convicção de que vivemos agora num admirável mundo novo e numa época de transformação, para alguns comparável à do início da imprensa ou à mudança do Renascimento, mas num momento em que também é necessário parar para pensar. Para vencer, a criança do século XXI precisa de desenvolver a sua inteligência emocional, as suas competências sociais e os recursos pessoais obtidos pela aprendizagem continuada da leitura e da escrita. Para isso, é crucial que aprenda a comunicar com pessoas reais e é decisivo que explore a vida à sua volta, primeiro em casa com os familiares, depois na escola e nas zonas próximas da habitação.

A leitura e a escrita são a melhor forma de fazer pensar e de "travar" um pouco a rapidez da vida actual. A capacidade de brincar e o jogo infantil contribuem para desenvolver a fantasia e a entrada e saída do mundo real. É pena que muitas crianças de hoje pensem que "brincar" é manipular a Playstation ou o Gameboy, sendo incapazes de inventar um jogo de "faz de conta" ou de criar uma pequena representação teatral.

O verdadeiro poder, a eficaz autoridade dos pais, reside na possibilidade de se conectarem com os filhos, não através de uma qualquer rede social, mas com recurso a uma rede de comunicação construída durante os primeiros anos da infância. Este será o admirável mundo novo.

Psiquiatra

d.sampaio@netcabo.pt

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