O estilo dos outros

Podia ser um espumante mas não passa de uma zurrapa

O alemão Florian Henckel von Donnersmark foi o autor de um estimável filme, "As Vidas dos Outros", visão pacificada, se não redentora pelo menos compassiva, do quotidiano na extinta RDA, com ênfase no que desse quotidiano era marcado pela conspícua acção da STASI.


Se bem se recordam - e foi um filme muito visto, Óscar para filme em língua estrangeira e tudo - havia um agente secreto que aprendia que "o mediador entre o cérebro e as mãos deve ser o coração", como se diz no "Metropolis" de Lang (nos filmes, os alemães têm esta estranha tendência para proporem a via sentimental como resolução de conflitos). Estimável, dissemos, porque bem ou mal, era um filme que tinha uma "raison d''être" para além das consagradas causas da "arte" ou do "comércio": queria dizer qualquer coisa que parecia minimamente necessário dizer, e dizia-a.

"O Turista" é exactamente o contrário: não tem nada para dizer, e não diz nada. O enraizamento de "As Vidas dos Outros" é substituído pelo superficial charme de uma "produção internacional", com vedetas de calibre mundial - Angelina Jolie, Johnny Depp, e Veneza - e uma história que podia ser contada mais ou menos da mesma maneira por um tarefeiro hollywoodiano anódino (que é aquilo que von Donnersmark se candidata a ser). Podia ser um espumante - como Cary Grant, Grace Kelly e a Riviera no "To Catch a Thief" de Hitchcock - mas não passa de uma zurrapa.

A intriga mistura elementos de histórias de gangsters com atmosfera de filme de espionagem "high tech", e duas personagens (as de Jolie e Depp) que deviam ter uma identidade incerta - mas não há personagens, de facto, que resistam à quantidade de mudanças "ontológicas" a que o argumento as submete, pelo menos da maneira desajeitada (ou, liminarmente, desonesta) com que o filme as cumpre.

Von Donnersmark filma como se estivesse a trabalhar para uma revista de "glamour" como aquelas que se folheiam nos aviões. Mas se há "estilo" é sempre o estilo dos outros - Jolie, o guarda-roupa, o Hotel Danieli, Tudo muito bonito, com certeza; mas o filme não tem uma única ideia sobre o que fazer com esse estilo, nem como olhar para ele ou como torná-lo seu enquanto despacha a fórmula que tem para despachar. Sai-se a trautear o senhor Jarvis Cocker: "''cause everybody hates a tourist...".

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