Traficantes de cocaína apostam em nova rota de África e isso sente-se aqui

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A brasileira Sara foi na conversa de uma pessoa e acabou apanhada no Aeroporto Sá Carneiro Foto: Nelson Garrido

Com o Atlântico mais patrulhado do que nunca, os traficantes desbravam novos caminhos para a Europa. Abriram uma variante na África Ocidental, a sub-rota Sahel - referente à região entre as terras desérticas e as terras férteis, o corredor que inclui o Senegal, a Mauritânia, o Mali, o Burkina Faso, o Níger, a Nigéria, o Chade, o Sudão, a Etiópia, a Eritreia, o Djibouti e a Somália.

Joaquim Pereira, director da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, não quer equívocos. Espanha e Portugal não deixaram de ser as maiores portas de entrada no espaço europeu, consumidor de cocaína só ultrapassado pelos Estados Unidos. Mas as organizações adaptam-se às estruturas de repressão que vão sendo montadas a pensar na droga e na imigração. "Isto é o jogo do gato e do rato. Nós vamos tentando perceber os passos deles, eles vão tentando desviar-se de nós."

Subsistem as três rotas conhecidas: a rota norte (via Açores), a rota centro (via Cabo Verde, Madeira ou Canárias) e a rota africana (via golfo da Guiné ou largo de Cabo Verde). Grandes quantidades apreendidas em países como a Mauritânia ou a Croácia deixam perceber o crescente peso da nova sub-rota: "A cocaína viaja por via marítima ou aérea até às costas da África Ocidental e acaba por sair pelo Norte de África", sobretudo, por Marrocos, Argélia, Líbia, explica Joaquim Pereira. "Entra na Europa pelos países de Leste."

A par da "dificuldade" de navegar o oceano, Joaquim Pereira foca a "facilidade" de o sobrevoar: "Está fácil para as organizações adquirirem aviões de grande porte, que permitem transportar grandes quantidades de cocaína da América do Sul para África. Já não aparecem tantas embarcações com grandes quantidades de cocaína, como acontecia há uns anos."

As autoridades continuam a apanhar veleiros que saem das Caraíbas para o Norte da Europa, via Açores. E barcos de pesca que saem da América do Sul para a Península Ibérica - embora menos, "porque esse tipo de embarcações está a dirigir-se mais para a África Ocidental". E, nos últimos tempos, surpreendem-se com o recurso a contentores. Joaquim Pereira recorda dois casos recentes: um com 200 quilos de cocaína dissimulada em tábuas de madeira; outro com 1,7 toneladas disfarçadas em placas de gesso.

A via aérea também desempenha um papel de destaque neste transporte América do Sul/Europa. "O tráfico de grandes quantidades para África acaba por vir para a Europa pela via marítima ou em aeronaves já com alguma capacidade", salienta o mesmo responsável. "A existência de pistas privadas sem controlo é um problema de Portugal, de Espanha, de França, de vários países. Se estivermos a falar de zonas fronteiriças, não há tempo para as estruturas que fazem o controlo do espaço aéreo detectarem."

Salvo algumas excepções, as autoridades já não apanham cocaína às toneladas, como acontecia em 2005, 2006, 2007. O director da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes insiste: "As organizações vão diversificando o modo de trabalhar, tentando camuflar, recorrendo a pequenas quantidades ou menores quantidades para reduzir o risco."

Veja-se, por exemplo, a droga apreendida pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo. Depois do pico de 2006, parece estar a diminuir a quantidade de cocaína nos aeroportos portugueses: 567 quilos em 2008, 441,8 em 2009, 120,2 no primeiro semestre de 2010.

O controlo alfandegário ainda detecta amiúde passageiros com cocaína - 52 no primeiro semestre de 2010, 133 em 2009, 148 em 2008. Faz uma triagem. O que faz na vida? De onde vem? Para onde vai? Porque viaja? Quem pagou a viagem? "Há uns anos, havia um perfil muito definido", lembra Paula Soares, directora da Alfândega do Aeroporto do Porto. "Vinham com um fato novo, não sabiam para onde iam. Hoje, o perfil é diversificado."

As organizações calculam os riscos. Se um avião traz 200 passageiros e a alfândega tem seis controladores de turno, há uma grande probabilidade de escapar. "Se formos a controlar todos, as pessoas demoram mais no controlo do que na viagem", sublinha o inspector Fernando Franco. "É necessário fazer análise de risco para fazer a abordagem correcta."

Algumas das pessoas recrutadas a troco de poucos milhares de euros correm risco de vida. Num ano passado, um passageiro com cocaína no estômago sofreu uma overdose e morreu dentro de um avião. E apanhá-los não entusiasma a Polícia Judiciária: pouco ou nada sabem sobre a organização.

Joaquim Pereira estabelece uma espécie de paralelo marítimo: "As organizações estão estratificadas. As cúpulas dirigentes têm estruturas montadas. Algumas pessoas executam tarefas muito precisas. Descarregar, por exemplo. E nesse sentido acabam por ser instrumentos, como os correios."

O fluxo - cocaína, mas também heroína, cannabis e outras - sente-se dentro das cadeias. No final do terceiro trimestre de 2010, havia 605 estrangeiros presos por tráfico de droga, que representavam 41 por cento do total de estrangeiros condenados. Nas estrangeiras, o peso deste crime era ainda maior: 98 cumpriam pena por tráfico, o que representava 84,5 por cento das condenações.

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