Em vez de copiar, fazer

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Luísa Taveira, 53 anos, é a nova directora da CNB pedro cunha

Já foi bailarina nesta casa. Já a dirigiu. Agora, Luísa Taveira regressa. Quer apostar na internacionalização da Companhia Nacional de Bailado. E criar um novo reportório que envolva os coreógrafos portugueses

Luísa Taveira conhece bem os cantos a esta casa que é a Companhia Nacional de Bailado (CNB). Foi ali que, durante anos, dançou. Foi esta a companhia que dirigiu, já lá vão dez anos. Agora abre-se um novo ciclo na sua vida. Diz que está diferente: "Dez anos pesam. E ajudam a abrir horizontes."

Desde 1 de Outubro que é a nova directora da CNB. Mas só a partir de hoje, com o fim da programação deixada pelo anterior director, Vasco Wellenkamp, pode dizer que esta é a sua companhia.

Do período em que foi subdirectora recorda que "foi uma direcção muito contestada" - "Se calhar é o destino de todas as direcções", diz em entrevista ao P2, a primeira que dá desde que assumiu funções. Foi Jorge Salavisa, na altura director, quem a convidou e foi ele, hoje presidente do Conselho de Administração do OPART, que gere a CNB e o Teatro Nacional São Carlos, quem agora a foi buscar ao Centro Cultural de Belém (CCB), onde tinha entrado em 2001 como assessora para dança e era, até Setembro último, adjunta para a programação. Sai com licença sem vencimento, "só porque surgiu este convite".

E é uma CNB também ela diferente a que agora encontra: "Antes [os bailarinos] eram os meus colegas, agora são os meus alunos", diz falando da sua passagem pela Escola Superior de Dança. "Isso, de alguma forma, sensibiliza-me. Acho que esta nova geração tem imenso potencial, apesar de não ter um lugar muito garantido." Razão pela qual se congratula com o facto de o estatuto do bailarino poder vir a ser aprovado, em breve. A sua preocupação é consequência do seu próprio percurso: "Deixei de dançar aos 37 anos por opção. Percebi que não ia conseguir manter o nível técnico que tinha. Depois dos 40 é muito difícil. Há uma perda. Se isto [a CNB] é uma responsabilidade do Estado, então esta carreira também deve ser tomada como uma responsabilidade."

A CNB conta com 74 bailarinos, fruto de "um problema de "engorda" de um elenco onde não é permitido entrar", por se aplicar o mesmo regime de congelamento de contratações da função pública, mas de onde também não vão saindo os bailarinos que não vêem as suas carreiras reconvertidas. "A pré-reforma dos bailarinos já acontece cá dentro e é a CNB quem a financia. Quanto mais gastar na estrutura, menos gasto na programação."

Os efeitos desta situação no reportório são o principal problema. "A nova geração é espantosa e polivalente, teve uma formação em várias técnicas. E há um núcleo duro que é constantemente utilizado, não há como negá-lo", diz. Já outros elementos do grupo não trabalham regularmente porque não há papéis para eles. Resultado: "Quando se faz um clássico, porque são precisas mais pessoas, é preciso ir buscar toda a gente e isso não é forma de se fazer um clássico. Os bailarinos têm que ser muitíssimo bons e é preferível não o fazer a ter que ir buscar pessoas inactivas."

"Era importante que fizéssemos sistemas mistos onde começássemos frescos relativamente a uma geração que começa agora", continua Luísa Taveira. "Para que daqui a cinco anos houvesse uma outra solução. Tem que haver vários tipos de soluções." É esta lógica de várias soluções para um mesmo problema que aplica em outras áreas.

Nem Bolshoi nem Paris

Quando chegou, disse aos bailarinos: "A CNB não é nem o Bolshoi, nem a Ópera de Paris... nem o Ballet Gulbenkian. Tem que ser uma coisa diferente. Os bons exemplos são aqueles dos quais retiramos alguma coisa e não aqueles que copiamos." É com este objectivo que quer transformar a CNB. "Um dos meus grandes objectivos é conseguir fazer a internacionalização da companhia. Se o conseguir, é porque já tenho o resto do trabalho feito."

Interessa-lhe um modelo mais próximo de companhias de reportório como o Ballet da Lorena ou de Lyon, que convidaram coreógrafos como Lia Rodrigues, Jérôme Bel ou Paulo Ribeiro para trabalhar com os seus elencos. "É preciso construir programas apelativos. Muitas companhias perderam-se porque não se entrosaram com outras mais pequenas e com outros coreógrafos que estão a trabalhar e para quem estas casas são importantes."

A experiência de programadora no CCB deu-lhe uma endurance que não tinha há dez anos. A definição é sua e quer tê-la reflectida na programação. Em Fevereiro vamos poder ver a CNB a fazer Romeu e Julieta, de John Cranko - "as pessoas devem ter acesso aos grandes clássicos da humanidade" - e, no dia mundial da dança, 29 de Abril, um programa especial que envolverá nove coreógrafos portugueses. Chamar-se-á Uma Coisa em Forma de assim, a partir do poema de Alexandre O"Neill, e terá o elenco da CNB em solos, duos ou trios assinados por Vasco Wellenkamp, Olga Roriz, Clara Andermatt, Rui Horta, Rui Lopes Graça, Francisco Camacho, Benvindo Fonseca, Paulo Ribeiro e Madalena Vitorino. "Interessa-me que a companhia tenha um reportório que seja único. Não é com coreógrafos continuamente feitos nos outros sítios que o conseguimos", assume.

Em Maio, veremos uma peça de noite inteira feita por Olga Roriz, "a coreógrafa que melhor conhece a companhia". Em Junho será mês de digressão nacional.

O futuro passa ainda por Anne Teresa de Keersmaeker, que regressará para coreografar a CNB, na sequência da experiência de 1998, com The Lisbon Piece, encomenda da primeira direcção Salavisa-Taveira, num projecto que quer ter Lisboa como palco. "Quero envolver a CNB com os outros espaços da cidade, quero estar nos festivais." Em cima da mesa está ainda a reabilitação do Teatro Camões, no Parque das Nações, onde a CNB é residente, como "teatro da dança". "Gosto deste híbrido", e, mesmo sem orçamento, diz estar de portas abertas para a construção de um projecto que seja de todos.

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