A confusão

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Não me lembro de um começo de ano tão escuro e perigoso como o de 2011. Mesmo 1975 não parecia (em Janeiro) assim tão mau. Não há precedentes para a ruína do país que se anuncia cada vez mais certa. O que não impediu Sócrates de fazer um discurso de Natal absurdo e folgazão. Nem o poeta Alegre e o dr. Cavaco de se entreterem num debate fútil, por uma honra vazia e um cargo sem verdadeira relevância. Como nos metemos neste sarilho sem fundo? A resposta é fácil. Imaginando, com o incurável provincianismo indígena, que podíamos ser como a Europa, esse modelo mítico que arrastou o liberalismo inteiro, a I República e, até certo ponto, o próprio Salazar, e que este nosso regime democrático seguiu, depois do PREC, com patético zelo e a incompetência do costume.

Basta olhar e ver. Cavaco e Alegre, por exemplo, discutiram anteontem na televisão quem era ou quem não era a favor do Estado Social. Nenhum deles, evidentemente, se deu à excessiva franqueza de esclarecer o que entendia por "Estado Social". E nenhum deles achou útil explicar que espécie de "Estado Social" a economia portuguesa consegue hoje por si mesma sustentar. Para um e para outro, basta saber que "lá fora" o "Estado Social" existe (e deve, por consequência, existir cá dentro) e sobretudo que perde votos se for contra esse obrigatório aprimoramento do país. De quem paga (e do que não se paga) não se falou para não estragar o gozo desses devaneios da imaginação. Quem paga e o que não se paga é um capítulo à parte. Quase irrelevante.

Infelizmente, os devaneios da imaginação acabam sempre por custar caro, agora que Portugal se tornou dependente do estrangeiro e já não ganha a vida a cavar batatas. Por uma estranha perversidade do destino a nossa perpétua "modernização", da "modernização" de 1820 (a que na altura se chamava "regeneração") à "modernização" de Sócrates, passando pela de Cavaco, nunca "modernizou" nada. Não enriqueceu o país; criou dívidas, licenciados, desemprego e miséria. Os pobres portugueses de 2011 vão comer restos de restaurantes, decorados com um doutoramento. Como os bacharéis do século XIX. O progresso é óbvio. E a confusão indescritível: o orçamento não se cumpre, os partidos não funcionam, o Presidente não manda nos partidos. Só falta o FMI. Mas por pouco tempo.

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