Leonor Beleza, o ano da Fundação Champalimaud

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Leonor Beleza Foto: Raquel Esperança

É a cara e o poder efectivo da Fundação Champalimaud. Monta de raiz uma instituição dirigida à investigação biomédica, depois de uma carreira pública rara.

Quem é?

Presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza foi escolhida por António Champalimaud para lançar aquela instituição. Um convite determinado pelo seu perfil de liderança, mas também pelo seu raro currículo. Foi secretária de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (1982-83) e da Segurança Social (1983-85), ministra da Saúde (1985-90), deputada (entre 1983 e 2005), duas vezes vice-presidente da Assembleia. Isto além de ser fundadora da SEDES e do PSD. E ter sido assistente em Direito da Família na Faculdade de Direito de Lisboa (1973-75 e 1977-82), tendo participado na elaboração do Código Civil de 1977. Em 1975 esteve no gabinete do ministro dos Assuntos Sociais, Sá Borges, e na fundação da Comissão da Condição Feminina, hoje Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, organismo estatal a que ainda pertence, se bem que em licença sem vencimento desde 1982.

O que fez?

A sua diferença manifesta-se cedo. Quando, em 1982, é convidada para o Governo, a nomenclatura governamental não incluía o género feminino, de tal forma que Maria de Lourdes Pintasilgo fora primeiro-ministro e não primeira-ministra. Leonor Beleza pede então a Pinto Balsemão e ao Presidente Ramalho Eanes que seja alterada a regra, pois quer ser nomeada como secretária e não secretário de Estado.

"Foi preciso chamar a atenção", lembra, relatando que como ministra repetiu o pedido e que, então, o impacto foi maior. "Como ministra era mais complicado, causava engulhos. Como secretária de Estado não fazia impressão, pois era secretária", ironiza Leonor Beleza, que sempre se assumiu como feminista: "Sou feminista, sou. Sempre disse que sou. Nem percebo a dificuldade que as mulheres na política têm em dizer que são feministas."

O seu perfil de liderança é revelado para o público quando sobe a ministra da Saúde. É ela que lidera o processo de transformação do Serviço Nacional de Saúde, assente em leis como a de gestão hospitalar e a de bases da saúde, que abre o sector aos privados.

É com ela também que a prevenção da toxicodependência passa para a tutela da Saúde. O Estado começa a garantir camas nos hospitais para toxicodependentes, Luís Patrício e Nuno da Silva Miguel abrem o Centro das Taipas e é lançado o Projecto Vida.

Muito contestada pelos médicos e a indústria farmacêutica (são suas ideias como a da unidose de medicamentos), Leonor Beleza sai do Governo em 1990, numa remodelação em que o próprio Cavaco Silva diz, na sua autobiografia, que cedeu aos interesses.

Senta-se em São Bento como deputada e, tendo como patrono Luís Queiró, faz o seu estágio em advocacia, a que se dedica até 2001. É ainda consultora do Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros (1994-2005), dirige o Serviço Jurídico da Televisão Independente - TVI (1994-97) e preside ao conselho fiscal do Banco Totta & Açores (1995-98).

É na qualidade de ministra da Saúde que é arguida pelo crime de negligência com dolo, em 1986, no caso dos 137 hemofílicos contaminados com o vírus do VIH/sida em transfusões feitas em hospitais públicos. A negligência baseava-se no facto de a Associação dos Hemofílicos Portugueses ter alertado o Ministério da Saúde para que o plasma, fornecido pela empresa austríaca Plasma Pharm, estava contaminado. A acusação formal surgiu apenas em 1994 e, depois de vários recursos, o processo foi definitivamente arquivado pelo Supremo em 2003. Viu-se também envolvida, enquanto ministra, no processo movido pelo Ministério Público contra o seu secretário de Estado, Costa Freire, e contra o seu irmão José Beleza, por burla agravada e participação em negócio ilícito com o Estado.

O arrastar do caso dos hemofílicos ao longo de duas décadas acabou por liquidar o futuro político de Leonor Beleza, que se desenhava na linha da frente da ribalta política. Um percurso em que o seu perfil de excelência e de liderança a poderia ter levado, nos anos 90, à presidência do PSD e a primeira-ministra.

Ainda que assumindo o mandato de deputada e integrando diversas direcções do PSD, Leonor Beleza foi a primeira vítima em Portugal da judialização da política. Sobre este assunto, apenas diz: "Eu própria fiquei surpreendida e sou jurista. Baralhou-me a confusão entre as duas coisas, a política e a justiça."

Por que a escolhemos?

Está à frente de uma fundação portuguesa, com um património-base de 500 milhões de euros, que se lança na área da investigação biomédica para evitar e tratar doenças. Uma instituição que dá os primeiros passos e que o faz numa atitude de igualdade com as suas congéneres internacionais.

O que podemos esperar dela?

Aos 62 anos, Leonor garante que o seu futuro passa pelas actuais funções: "Tenho a fundação como projecto que está em curso na sua definição básica." Confrontada com um eventual regresso à política de primeiro plano, aquela que é uma das figuras políticas mais carismáticas e senhora de um perfil natural de liderança apenas responde: "Acho impensável."

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