Rede viária: a pressão antes da opção

O país ainda não parou para pensar sobre as consequências de um modelo que não deu certo

O Governo prepara-se para rever em baixa o Plano Rodoviário Nacional no próximo ano, numa altura em que aquele plano está executado a 78 por cento, percentagem que sobre para os 87 por cento se nos referirmos aos Itinerários Principais. Essa revisão só pode ser encarada como um gesto de bom senso, dadas as dificuldades que o país atravessa. Mais de duas décadas após o início da profunda renovação da rede viária que a adesão à Europa comunitária tornou possível, as obras públicas passaram de bestiais a bestas. Há 25 anos consideraríamos inimaginável que, no Portugal que era o país das obras de Santa Engrácia, um plano rodoviário pudesse estar concretizado a 78 por cento. No entanto, sabemos que temos menos razões para nos congratularmos do que sugerem os números. Nestas duas décadas e meia passámos de uma rede de estradas indigna de um país europeu para uma das melhores redes da Europa. Mas sabemos que o desenvolvimento pelo betão trazia atrás de si um mito que não se tornou realidade. Já no tempo do cavaquismo, quando a febre das auto-estradas começou, a política do betão era contestada - mal, porque nessa altura as carências eram inaceitáveis. Hoje sabemos que acreditámos de mais no betão. A febre de construir levou a que se abusasse das parcerias público-privadas, numa política de construir depressa e pagar depois. É consensual que vamos pagar mais do que ganhámos. E está aqui um reflexo da nossa megalomania, do nosso novo-riquismo e da nossa incapacidade para investir num modelo de desenvolvimento mais eficaz. A revisão em baixa do plano rodoviário acontece tarde. E, como acontece em muitos outros sectores, mais por causa de uma pressão do que por uma opção.

Desmentidos que nada desmentem

Os partidos apressaram-se a "desmentir" a notícia do PÚBLICO segundo a qual as "multas aplicadas a dirigentes partidários serão pagas pelo Estado". Percebe-se a pressa e a incomodidade, mas o "desmentido" apenas se percebe numa leitura formal da nova lei do financiamento dos partidos. Porque basta um pouco mais de esforço para se perceber que não há nada a "desmentir". Em primeiro lugar porque, se é verdade que as subvenções dependem dos votos obtidos em eleições legislativas, as ajudas públicas às campanhas permitem que os partidos façam adiantamentos, aguardem as subvenções a que têm direito e promovam depois o acerto de contas entre o que gastaram e receberam. Ora é aqui, neste aparentemente irrelevante interstício da lei, que os partidos podem apresentar um leque de despesas que inclui as coimas. Não está em causa saber se no espírito do legislador esteve, ou não, a intenção de salvar os dirigentes partidários das multas; ou até afirmar que os partidos o vão fazer por sistema. O que está em causa é que numa lei de enorme sensibilidade não pode haver lugar a alçapões. E havendo-os, como há, resta dizer que a lei não merece o crédito quanto aos seus efeitos na transparência democrática.

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