Torne-se perito

Troca de recados entre Belém e S. Bento com campanha pelo meio

Foto
O Governo prevê cortar 70 milhões no apoio a escolas privadas ADRIANO MIRANDA

O candidato Cavaco ameaçou que o Presidente Cavaco poderia vetar lei sobre ensino particular. Governo reduziu o aviso a uma acção de campanha

Primeiro a pobreza, agora o ensino particular e cooperativo. A um mês das eleições presidenciais, marcadas para 23 de Janeiro, a campanha eleitoral parece ter mudado de sítio, num confronto indirecto entre Belém e S. Bento. Desde o passado fim-de-semana, Cavaco Silva, o candidato que é também Presidente da República, e o Governo de José Sócrates são protagonistas de um combate que deixa, à primeira vista, os outros candidatos presidenciais de fora.

O tiroteio político começou no sábado, com José Sócrates a zurzir o "exibicionismo" daqueles que querem tirar rendimento político da pobreza. Num primeiro momento, Cavaco Silva resistiu, mas depois não deixou passar em branco as críticas, por ter declarado que os portugueses se deviam sentir envergonhados pelo facto de existir gente com fome em Portugal. Numa festa de Natal com a comunidade sem-abrigo de Lisboa, Cavaco puxou dos seus pergaminhos para lembrar que a preocupação o acompanhou desde o início do seu mandato em Belém. Anteontem, envergando o fato de candidato à Presidência, aproveitou a boleia de uma pergunta lançada através da rede social do Facebook para pôr na agenda a questão das alterações ao regime de contrato entre o Estado e as instituições particulares de ensino, que o Governo aprovou no início de Novembro. "Espero que no final prevaleça uma situação equilibrada e de bom senso, porque, se não for esse o caso, eu não deixarei de assumir as minhas responsabilidades", avisou, deixando a porta aberta a um eventual veto ao diploma. Ontem, o Governo entrava de novo em jogo. "Estas declarações compreendem-se no contexto em que vivemos, de pré-campanha eleitoral para as eleições presidenciais, em que todos os candidatos querem agradar", reagiu o secretário de Estado do Conselho de Ministros, João Tiago Silveira. A candidatura presidencial de Cavaco Silva não quis fazer qualquer comentário sobre a reacção do Governo.

Guerrilhas sem rupturas

O PÚBLICO sabe que houve troca de esclarecimentos de parte a parte, nas últimas semanas, entre o Governo e a Presidência da República sobre as alterações ao regime de contrato entre o Estado e as instituições particulares de ensino. O diploma, em formulação final, está no Palácio de Belém, há cerca de uma semana, em fase de apreciação pelas assessorias da Presidência. O que poderá levar Cavaco Silva a ter de tomar uma decisão - promulgação ou veto - durante os primeiros dias de Janeiro, em vésperas do arranque da campanha oficial para as presidenciais.

Somados os lances deste jogo de parada e resposta entre Belém e S. Bento, há espaço para uma escalada de confronto? "Isto não tinha graça nenhuma sem episódios de guerrilha institucional", ironiza o politólogo Adelino Maltês, advertindo para a circunstância de "a dialéctica de campanha já não ser entre Cavaco Silva e Manuel Alegre". "Cavaco Silva é o mais político deles todos, a única coisa que eu gostava era que o WikiLeaks pudesse assistir a uma reunião entre o Presidente e o primeiro-ministro, cada um com o seu heterónimo".

Afastando cenários de ruptura institucional, o politólogo Manuel Meirinho Martins inscreve a posição de Cavaco numa lógica de afirmação num contexto de campanha eleitoral. Com o candidato a induzir diferenças, separando alinhamentos e apoios. "Ele tem sido acusado de inacção ou de uma espécie de alinhamento com o Governo, como por exemplo na aceitação de medidas duras de austeridade", explica. E sublinha que aquilo que pode ser uma diferença - sobretudo no que respeita à questão do ensino particular - não significa necessariamente que "essa clivagem seja alargada a um conflito institucional". com Nuno Simas

Sugerir correcção