Filipe Ribeiro de Meneses, o historiador desapaixonado

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Filipe Ribeiro de Meneses Foto: Rui Gaudêncio

Deu-nos a primeira biografia académica sobre Salazar e permitiu-nos formar uma ideia mais desapaixonada do homem e do regime de quase metade do século XX.

Quem é?

Filho de um diplomata, Filipe Ribeiro de Meneses licenciou-se no Trinity College de Dublin e doutorou-se na mesma universidade em 1997. Ao longo de sete anos da sua vida profissional recente dedicou-se a vasculhar os vastíssimos espólios arquivísticos de Salazar e publicou pela primeira vez a sua biografia de Salazar em língua inglesa, no ano passado. O livro chegou este ano às livrarias nacionais e, aos 40 anos, abriu-lhe as portas do reconhecimento como um dos historiadores de referência do século XX português.


O que fez?

Filipe Ribeiro de Meneses gostaria de ter escrito mais páginas sobre Salazar, mas as imposições editoriais e comerciais obrigaram-no a ficar pelas 800. Muito menos do que a biografia de Franco Nogueira, mas o suficiente para trazer ao público (e não apenas aos leitores especializados) uma visão abrangente, multifacetada, rigorosa e empenhadamente distanciada do percurso de Salazar desde Santa Comba até à sua morte. No livro não se encontram grandes novidades factuais, mas Filipe Ribeiro de Meneses consegue a proeza de definir um denominador comum de racionalidade que nos permite perceber melhor alguns dos enigmas e desfazer algumas dúvidas sobre Salazar. Permite-nos, por exemplo, contextualizar a sua evolução política da democracia cristã para o autoritarismo, as suas façanhas (como a agilidade diplomática com que geriu as crises da Guerra Civil da Espanha, a II Guerra Mundial ou o confronto com os Estados Unidos e a ONU nos anos 60) ou as suas vilanias em crimes como os do Tarrafal, da morte de Arlindo Vicente ou do assassinato de Humberto Delgado.


Num texto limpo, com uma fluência narrativa que o aproxima bem mais do estilo da historiografia anglo-saxónica do que da História analítica e conceptual de inspiração marxista ou dos Annales, Filipe Ribeiro de Meneses preocupa-se a procurar a motivação e a causalidade que levaram Salazar ao poder. Uma citação atribuída a um padre italiano com data de 1928 é expressiva: "A mim não me enganas. Por detrás dessa frieza, há uma ambição insaciável. És um vulcão de ambições." Desde a chegada ao Governo nesse mesmo ano, Salazar nunca foi realmente aquele líder desinteressado, quase eunuco, investido pela providência de salvar o país da instabilidade republicana com que a propaganda e a historiografia alinhada procuraram retratá-lo. "As ideias moderadas e idealistas dos seus tempos como democrata-cristão e defensor das grandes encíclicas de Leão XIII davam agora lugar a uma determinação obstinada em ter sucesso, mesmo que para tal tivesse de recorrer à força", escreve o historiador referindo-se aos anos de consolidação do Estado Novo. O presidente do Conselho é retratado com um gestor frio, impessoal e implacável para com os seus detractores. Rejeitando o relativismo e a complacência para com os contextos históricos, Filipe Ribeiro de Meneses considera o Tarrafal um facto que ilustra na perfeição a natureza ditatorial e autoritária do regime. "As condições no Tarrafal eram amplamente conhecidas em Portugal e Salazar nada fez para as investigar, se é que alguma vez terá sido surpreendido por elas", escreve. Da mesma forma, sem nunca o admitir abertamente, o historiador fica sempre mais perto da tese de que o assassinato de Delgado foi um acto executado com o beneplácito de Salazar.

Por que o escolhemos?

Um ditador brutal que condenou o país ao conservadorismo e ao atraso, para uns, um líder paternalista e moderado bem ao jeito da placidez nacional, para outros, Salazar é ainda uma figura demasiado próxima para ser objecto de análises objectivas e desapaixonadas. A História raramente é neutra, mas o facto de não haver, 40 anos depois da morte de uma das figuras incontornáveis do século XX, uma biografia suficientemente rigorosa e equidistante entre as escolas até hoje em confronto era um paradoxo e uma lacuna da disciplina.


Com Salazar, obra editada este ano pela D. Quixote, Filipe Ribeiro de Meneses não escreveu a obra definitiva sobre o ditador, mas proporcionou-nos pela primeira vez um trabalho que nos permite perceber com alguma objectividade e rigor a sua mente e a sua obra. Sem os anátemas descontextualizados do chefe fascista nem os panos quentes dos que o pretendem resumir a um ditador moderado, esta obra é fundamental para se conhecer o século XX português.

O que podemos esperar dele?

Filipe Ribeiro de Meneses tem vários trabalhos publicados sobre Francisco Franco, Afonso Costa ou sobre o sidonismo. Actualmente, dedica-se a investigar o processo de descolonização no Sul do continente africano. O resultado do seu trabalho pode ser importante para dar luz a muitas zonas cinzentas da descolonização de Angola e Moçambique. Mas, dada a sua juventude, espera-se que o sucesso de Salazar mova a sua atenção para personalidades e períodos do século XX aos quais faltam ainda trabalhos de síntese acessíveis ao público não especializado.


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