A Última Estação

Com algum atraso em relação à cerimónia dos Óscares relativos ao passado ano, estreia "A Última Estação", filme de Michael Hoffman que retrata os últimos dias de um dos maiores escritores russos, Leo Tolstoi, numa fase em que abandonara a escrita romanesca e se dedicara a contraditórios ensaios moralizantes sobre o estado de atraso do país e as graves injustiças na distribuição da riqueza, enquanto vivia entre a opulência aristocrática, que o seu estatuto de conde (e de monumento nacional e internacional) lhe conferia, e uma espécie de ascetismo filosófico, desembocando na criação de um movimento utópico, visto por muitos, a posteriori, como precursor das transformações sociais trazidas pela Revolução Russa de 1917.


"A Última Estação" decorre em 1910 e inscreve numa espécie de melodrama familiar as experiências com uma aldeia comunitária, bem como a implementação de um vasto e completo movimento "tolstoiano" de grande impacte.No entanto, as questões fundamentais não passam pelo argumento ou pela novidade (ou não) da visão sobre os labirintos da escrita e da intervenção política: o filme limita-se a construir uma escorreita ficção, com razoáveis valores de produção, não longe da estética do telefilme de prestígio, academicamente bem encadeado (veja-se a previsibilidade do uso sistemático do campo/contracampo ou a exploração decorativa do cenário) e muito suportado pelo jogo dos actores, embora sem o "panache" das produções de James Ivory.

Não por acaso, as nomeações para os Óscares se restringiram a premiar as interpretações de Christopher Plummer, espantosamente caracterizado de forma a parecer-se com o escritor, e de Helen Mirren, oscilando entre um histerismo controlado e uma olímpica tranquilidade, sobretudo no epílogo, simples e eficaz. Só para vê-los já vale a pena.

Portanto, nada de grave, se considerarmos que os filmes de actores sempre tiveram boa recepção a nível da academia e da crítica. O problema passa pela monotonia narrativa, pelos imensos pontos mortos, apenas atingindo alguma chama no episódio secundário com que se "anima" a história: as peripécias românticas entre o jovem e virgem secretário, Valentin, e a mulher emancipada, Masha, chocando com os princípios puritanos do movimento e reproduzindo, de forma curiosa, os estereótipos feministas do princípio do século XX.

No cômputo geral, um interessante olhar sobre uma época de mudanças radicais nas mentalidades, ainda que continuemos a preferir o Tolstoi construtor de palavras e de sentimentos ao Tolstoi utópico e visionário dos últimos anos de exílio rural. Depois de ver "A Última Estação" só apetece voltar a ler "Guerra e Paz" ou "Anna Karenina", para reencontrar os verdadeiros esplendores da sua escrita.

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