Um comprimido por dia ajuda a evitar a infecção por HIV nos homens

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A ideia por trás deste ensaio clínico é nova: usar os medicamentos que controlam a infecção para prevenir novos casos Oka Barta Daud/REUTERS

Um comprimido que se toma uma vez por dia pode proteger da infecção por HIV homens que fazem sexo com outros homens. O primeiro estudo que demonstra a viabilidade desta estratégia foi publicado hoje online na revista “New England Journal of Medicine”.

O ensaio clínico verificou uma redução de 43,8 por cento de novas infecções pelo vírus da sida entre os homens que tomavam um comprimido que contém dois antirretrovirais no mercado (emtricitabina e tenofovir, vendidos sob o nome comercial Turvada).

Quer isto dizer que, dos 1248 participantes que receberam um comprimido sem efeitos clínicos (um placebo), 64 ficaram infectados com HIV durante o estudo, enquanto apenas 36 dos que tomaram Truvada adquiriram a infecção.

Mas a aderência ao regime médico é muito importante. As pessoas que tomaram o medicamento de forma regular e consistente (tomaram-no 90 por cento das vezes em que deviam fazê-lo) viram o risco de contrair a infecção reduzir-se em 72,8 por cento.

O estudo forneceu “a primeira prova” de que os comprimidos usados para controlar o HIV nas pessoas infectadas podem também ajudar a evitar novas infecções, disse Robert Grant, da Universidade da Califórnia em São Francisco, o líder da equipa que publicou agora o trabalho.

A ideia por trás deste ensaio clínico é nova: até agora, só muito excepcionalmente se usam os medicamentos antirretrovirais antes de saber que se alguém é seropositivo. Se um profissional de saúde entra em contacto com seringas com sangue infectado, por exemplo. Ou, no caso dos bebés de mães seropositivas, os bebés são tratados logo após o parto, para evitar a transmissão do vírus.

O que se pretende testar é a ideia de tomar um medicamento agora usado para controlar a doença de forma preventiva, para tentar evitar a transmissão do vírus, como mais uma barreira à entrada do vírus do organismo – juntando-se ao preservativo e a outros cuidados. Os Centros para o Controlo e Prevenção das Doenças dos Estados Unidos emitiram aconselharam a que a profilaxia de pré-exposição “nunca seja encarada como a primeira linha de defesa contra o HIV”.

Participaram no estudo 2499 homens (e transexuais, que nasceram como homens mas hoje são mulheres) que fazem sexo com homens, provenientes do Peru, do Equador, do Brasil, dos Estados Unidos, da África do Sul e Tailândia. A todos foi aconselhado usar preservativos, reduzir o número de parceiros sexuais, fazer análises frequentemente e receber tratamento para outras doenças sexualmente transmissíveis que aumentam as possibilidades de contrair HIV:

Este ensaio, conhecido como iPrEx (Iniciativa de Profilaxia de Pré-Exposição) é apenas um de cinco grandes estudos que pretende apurar a eficácia do uso de medicamentos orais para limitar as infecções por HIV – que se estima serem 7000 em todo o mundo, todos os dias.

Os activistas da luta contra a sida e da investigação de novas formas de tratar a sida e a infecção pelo HIV receberam a notícia destes resultados com entusiasmo – sugerindo mesmo que a demonstração de que esta abordagem da prevenção funciona pode vir a mudar a prevenção de novas infecções pelo vírus, pelo menos em alguns grupos de pessoas.

Mas, como sublinha Nelson Michael, da Divisão de Retrovirulogia do Instituto de Investigação do Exército Walter Reed, que assina um comentário ao trabalho também divulgado online pela “New England Journal of Medicine”, estes resultados também nos colocam “verdadeiros desafios”.

Antes de mais, resta saber se esta abordagem funcionará também noutros grupos de risco para a transmissão desta doença viral, como as mulheres da África subsariana, cujos maridos e parceiros sexuais não usam preservativos, e os utilizadores de drogas injectáveis – cuja via de infecção é diferente. Mas há outros estudos em curso para estas categorias.

Há, no entanto, outras questões, que são já tocadas pelo estudo agora publicado, e que têm que ver com os problemas de vir a alargar a um grande leque da população um medicamento com uma toxicidade considerável. Além de alguns efeitos secundários, como uns quantos casos de insuficiência renal, que afectam a aderência à medicação, foram relatados casos de surgimento de resistência do vírus a um dos componentes do medicamento.

Tudo isto são factores importantes a ter em conta, e a que é preciso dar resposta, sublinha Nelson Michael no seu comentário – a que não deixa, no entanto, de dar o título “Mais uma seta na nossa aljava?”

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