Papa admite uso do preservativo em certos casos mas mantém que não é solução

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O Papa ontem na investidura de 24 novos cardeais TONY GENTILE/reuters

Livro-entrevista fala de temas como os abusos sexuais de membros do clero e da relação com o islão; é a primeira vez que um Papa admite o preservativo em certos casos

Não é uma revolução, mas uma porta entreaberta. Num livro-entrevista que será publicado terça-feira, o Papa Bento XVI mantém que não considera o preservativo "uma solução verdadeira e moral", mas admite a sua utilização em casos concretos: "Num ou noutro caso, embora seja utilizado para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana."

A afirmação do Papa surge no livro Luz do Mundo, uma entrevista ao jornalista alemão Peter Seewald, que será publicado na terça-feira em Itália e vários outros países. Dia 2 de Dezembro estara à venda em Portugal (ed. Lucerna/Principia).

No texto, o Papa acrescenta: "Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. Não é, contudo, a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por HIV. Essa tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade."

Esta afirmação repete o que já outros responsáveis da Igreja - mesmo cardeais - tinham defendido como mal menor, mas nunca um Papa afirmara. Também a maior parte das instituições católicas que apoiam doentes infectados com o HIV-sida utilizam o preservativo, mesmo se não fazem dele a estratégia fundamental na luta contra a doença.

A viagem a África

Alguns excertos do livro foram publicados este sábado por L"Osservatore Romano, jornal do Vaticano. Sobre o preservativo, o Papa começa por referir a viagem aos Camarões e Angola, realizada no ano passado, quando Bento XVI defendeu, como diz o jornalista, que "a doutrina tradicional da Igreja tinha revelado ser o caminho mais seguro para conter a propagação da sida".

O Papa Ratzinger começa por responder: "A viagem a África foi totalmente ofuscada por uma única frase. Perguntaram-me porque é que, no domínio da sida, a Igreja Católica assume uma posição irrealista e sem efeito - uma pergunta que considerei realmente provocatória, porque ela faz mais do que todos os outros."

A Igreja no terreno

Bento XVI defende que a Igreja "é a única instituição que está muito próxima e muito concretamente junto das pessoas" e que é ela quem mais faz "porque trata como mais ninguém tantos doentes com sida e, em especial, crianças doentes com sida".

No avião para África, o Papa limitou-se à afirmação genérica: "A realidade mais eficiente, mais presente em primeira linha na luta contra a sida é precisamente a Igreja Católica, com os seus movimentos." Mas, na ocasião, o Papa não referiu quaisquer números: mais de 1200 projectos de instituições católicas de apoio a doentes de sida atingem pelo menos 4,5 milhões de pessoas; 3000 padres e freiras e 16 mil voluntários trabalham nessas instituições, que representam 25 por cento das que apoiam doentes de sida; nos países pobres, 60 por cento dos doentes são assistidos em instituições ligadas à Igreja.

Agora, no livro-entrevista, o Papa retoma a sua "verdadeira resposta": a Igreja "não se limita a falar da tribuna que é o jornal, mas ajuda as irmãs e os irmãos no terreno". Bento XVI reafirma que não deu a sua opinião sobre o preservativo, mas afirmou apenas "- e foi isso que provocou um grande escândalo - que não se pode resolver o problema com a distribuição de preservativos".

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