Aliados com ordem para cortar

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Hillary Clinton quer reformar as "velhas estruturas" da Aliança SAUL LOEB/AFP

Os EUA querem uma NATO poupada e eficiente. A crise milita no mesmo sentido. A reforma passa por um emagrecimento burocrático mas também pela redução das estruturas militares

No dia 22 de Fevereiro, Hillary Clinton não quis deixar nenhuma dúvida sobre aquilo que os EUA pretendem quanto à reforma da NATO. Numa conferência organizada pelo Atlantic Council, em Washington, a secretária de Estado americana não podia ter sido mais clara. "Os nossos orçamentos - militares e civis - estão divorciados das prioridades da Aliança, essas sim, subfinanciadas. Um novo conceito estratégico com velhas estruturas não será transformador." Uma questão da assistência levá-la-ia a ser ainda mais directa: "Não podemos agir num mundo em que as ameaças estão a mudar rapidamente com uma estrutura institucional que não consegue produzir decisões a tempo e que usa os impostos pagos pelo trabalho árduo dos cidadãos dos nossos países em propósitos burocráticos que pouco têm a ver com as prioridades estratégicas."

A ordem é, pois, para cortar. E é isso que a Aliança se prepara para fazer. Por duas razões que Hillary Clinton resumiu. Em tempos de crise, como aqueles que afectam as democracias ocidentais, cada dólar e cada euro gasto na NATO têm de ser justificados. O secretário-geral, Anders Fogh Rasmussen, está a fazer uma revisão do orçamento da Aliança e diz ser possível poupar 1,5 mil milhões de euros.

Mas esta não é a única razão para uma reforma profunda da NATO. Os EUA querem uma Aliança que responda efectivamente ao novo ambiente estratégico mundial. Isso significa que o grosso do esforço militar deve ser colocado na capacidade de projecção de forças. A lógica da reestruturação dos comandos militares vai ser feita com este objectivo.

Há muito por onde cortar no funcionamento da organização. Há 413 comités, alguns constituídos para responder a finalidades bizarras. Rasmussen pretende reduzi-los em 50 por cento. As 14 agências da organização vão ficar reduzidas a três.

Apenas seis comandos

Resta a reforma da estrutura de forças, sem dúvida a mais importante, mas também a mais polémica. Não tanto porque haja divergências significativas quanto à necessidade de uma estrutura militar mais reduzida, mais flexível e mais ágil, mas porque ninguém quer abdicar daquilo que tem.

No modelo já adoptado pelos ministros da Defesa, os onze comandos de três níveis deverão ficar reduzidos a seis. O objectivo é reduzir o pessoal militar de cerca 13 mil homens para menos de 9000. Mantêm-se os dois comandos de nível um: o Comando Supremo Aliado em Mons, responsável por todas as operações militares, e o Comando Aliado de Transformação, em Norfolk, EUA, responsável pela doutrina e treino das forças aliadas.

Dos três comandos conjuntos regionais (de nível dois) na Europa - Brunssum (Holanda), Nápoles (Itália) e Lisboa - ficarão dois. Dos três comandos de terceiro nível - terrestre, aéreo e naval -, ficarão os dois últimos, confirmando a ideia de que o grosso das operações terá uma natureza expedicionária. Saber quais, vai ser decidido mais tarde, provavelmente em Junho.

A mensagem dos EUA para esta reforma (muito apoiada por alguns países europeus, como a Holanda, a Alemanha ou a Dinamarca) não se estende às capacidades militares. Pelo contrário, os EUA vêem com preocupação as reduções generalizadas dos orçamentos da defesa, que podem acentuar ainda mais a desproporção militar entre os dois lados do Atlântico. "A reforma da NATO não deve ser uma desculpa para cortar nos orçamentos", diz Ivo Daalder, embaixador dos EUA na NATO. "Deve, pelo contrário, servir para fazer um trabalho mais eficaz com aquilo que já hoje gastamos."

Mas a verdade é que o objectivo de manter os orçamentos de defesa dos 28 aliados acima dos 2 por cento é hoje apenas cumprido em cinco, incluindo os EUA, França e Reino Unido, mas excluindo, por exemplo, a Alemanha.

Hillary Clinton não hesitou em questionar o Governo britânico quando David Cameron anunciou os cortes brutais nas despesas com a defesa (8 por cento). "Esses cortes preocupam-me", disse à BBC. Robert Gates, o secretário da Defesa, acrescentou: "A minha preocupação é que quanto mais os nossos aliados cortarem nas suas capacidades [militares] tanto mais olharão para os EUA para cobrir todas as falhas". Ambos se referiam ao país europeu que mais contribui militarmente.

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