Agir no que podemos fazer

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Concentremo-nos no que está ao nosso alcance, em vez de procurarmos consolo em bodes expiatórios externos

Trichet tinha avisado, provocando a irritação de Sarkozy. Também Durão Barroso alertara, com menos repercussão pública. A proposta germano-francesa de criação de um mecanismo europeu permanente para enfrentar situações de emergência como a da Grécia (o actual fundo da zona euro cessa em 2013) prevê que os credores sejam também penalizados em eventuais reestruturações de dívidas. Ou seja, perderiam parte do capital emprestado.

Nada que não aconteça todos os dias com empresas endividadas. Mas, no actual clima de nervosismo, os credores não gostaram, passando logo a exigir juros mais pesados para emprestarem. Depois de os ministros das Finanças dos cinco maiores países da UE esclarecerem, em Seul, que este sistema apenas se aplicará a partir de 2013, os juros das dívidas soberanas em dificuldade recuaram um pouco.

Merkel é agora alvo de todas as críticas. Mas poderia ela agir de outra maneira, conhecendo a opinião pública alemã? E sabendo que o tribunal constitucional da RFA poderá liquidar o actual fundo de emergência, por contrariar a cláusula de Maastricht que proíbe o resgate de um membro da UE em quebra financeira (no bail out clause)?

Os alemães só relutantemente trocaram o marco pelo euro. Helmut Kohl, que viveu o nazismo e a guerra, sentia necessidade de se ligar à moeda única para afastar os "demónios" que afectaram a Alemanha no passado. A nova geração política germânica já não sente tal necessidade. A Alemanha é agora um país "como os outros".

Por isso os líderes em Berlim não ignoram que a maioria dos alemães não gostou do apoio dado à Grécia. E não querem gastar mais dinheiro com países do euro em crise. Eles sabem, por exemplo, que, enquanto os salários alemães estagnavam ou desciam, nos últimos anos os salários gregos e portugueses subiam muito acima da produtividade.

O Presidente da República e o governador do Banco de Portugal sublinharam que não adianta queixarmo-nos dos mercados. Também de nada serve dizer mal de Merkel. Assim como pouco podemos fazer contra o efeito de contágio, nos juros da dívida, da situação grega - que até não tem evoluído mal, apesar de tremendas dificuldades e de um passado de manipulação estatística - e do gravíssimo problema da Irlanda. Este país, até há pouco considerado um milagre económico (e com razão), debate-se agora com os efeitos devastadores de uma bolha imobiliária e, sobretudo, das loucuras em que se meteram os seus maiores bancos, entretanto nacionalizados. Por causa disso o défice público irlandês atinge o nível impensável de 32% do PIB e pode ainda ser maior.

Temos de nos concentrar naquilo que está ao nosso alcance para ultrapassar a presente falta de confiança na capacidade nacional de honrar as dívidas, em vez de procurarmos consolo em bodes expiatórios externos. Desde logo, aprovando na especialidade e executando mesmo o Orçamento para 2011. Com o PS e o PSD em pré-campanha eleitoral, numa permanente guerrilha, não vai ser fácil.

Mas o país não acaba em 2011. Uma redução séria da despesa pública implica preparar, com tempo, mudanças de fundo na organização do Estado, bem pensadas e não meros remendos precipitados. É tarefa que deveria merecer o consenso de vários partidos (mas não, claro, dos que defendem o colectivismo contra a economia de mercado). Também não parece provável, infelizmente.

Por outro lado, há que atacar o "Estado paralelo", como lhe chamou Diogo Freitas do Amaral numa entrevista a Mário Crespo na SIC Notícias. Montes de dinheiro dos contribuintes encontram-se hoje em empresas municipais, institutos, fundações, até sociedades anónimas, sem qualquer controlo do Tribunal de Contas. Nem sequer se sabe ao certo quantas fundações são financiadas pelo Estado. Aliás, um projecto de lei sobre fundações encomendado pelo Governo a Freitas do Amaral está significativamente na gaveta há um ano.

A despesa pública oculta não vem só das parcerias público-privadas e dos défices acumulados na Saúde e em muitas empresas públicas. É urgente combater o "Estado paralelo", um cancro que poderá dar cabo do país. Mas estarão os políticos realmente interessados em eliminar o monstro que eles próprios criaram, para fugirem aos limites orçamentais e para benefício de sócios e simpatizantes? Jornalista (franciscosarsfieldcabral@gmail.com)

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