Maior censo da história reflecte China urbana e envelhecida

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No fim de Abril sairá um relatório oficial com os dados recolhidos PHILIPPE LOPEZ/AFP

A migração e a política do filho único foram questões reflectidas nos inquéritos. E um motivo para não querer responder aos inquiridores

Os media chineses têm dito que foi "a maior mobilização social em tempos de paz". Entre 1 e 10 de Novembro, seis milhões de funcionários estiveram a recolher informações para o maior censo alguma vez realizado em todo o mundo. De norte a sul da China, 400 milhões de famílias ouviram a campainha tocar.

Ainda antes do arranque deste exercício ciclópico, já havia premissas que os resultados irão apenas confirmar: a população chinesa está cada vez mais urbana e mais envelhecida. Mas até que ponto?

Um dos dados mais importantes a apurar, pela primeira vez, diz respeito ao número de migrantes - algumas estimativas apontam para 200 milhões de pessoas, que trocaram a sua vida nas zonas rurais por trabalhos nos centros industriais e nas cidades. Pela primeira vez, o recenseamento contou as pessoas de acordo com o local onde efectivamente residem, e não do local onde era suposto residir, ou seja, onde estão registadas de acordo com o sistema hukou.

O resultado desta lei que obriga os chineses a trabalharem onde estão registados é um corte no acesso à educação e à saúde, a perda de direitos e a criação de cidadãos "de segunda". No início do ano, o primeiro-ministro, Wen Jiabao, afirmou que os migrantes deveriam ter acesso a um tratamento melhor.

"Vai ser difícil fugir aos funcionários do censo quando eles passarem", confidenciou à AFP nas vésperas da contagem Tan Jianguo, antigo agricultor de Hebei (Norte) e que agora reside com a mulher na capital, sem autorização. "Posso ficar aqui e dar informações sobre a minha situação, ou posso regressar com a minha família e ser registado lá... ou podemos ainda esconder-nos".

No último estudo, de 2000, concluiu-se que 64 por cento da população vivia nas zonas rurais. Mas estimativas da ONU apontam para que este ano haja já uma repartição praticamente igual.

Os inquiridores enfrentaram outro desafio. A política do filho único, adoptada para controlar a natalidade do país mais populoso do mundo, será posta em causa.

A existência de um segundo ou terceiro filho é muitas vezes escondida com receio de retaliações - há quem perca o trabalho e quem tenha de pagar multas que podem rondar os 20 mil euros. As autoridades têm publicitado que as famílias em falta podem agora aproveitar para pagar as infracções em várias prestações. Se alguns vão aproveitar, outros terão feito o que sempre se fez nesta ocasião: tomar medidas para que a criança não registada não surgisse no meio da entrevista.

Menos jovens, mais idosos

É provável que os resultados apontem para a verdadeira dimensão de alterações demográficas como a queda no número de jovens, o aumento de velhos e um declínio da população activa, num país onde as pensões estão pouco asseguradas e o cuidado dos idosos fica a cargo dos filhos (grande parte das vezes, do único filho).

Os números deverão ainda dar indicação do desequilíbrio nos nascimentos de rapazes e raparigas - 119 para 100, segundo a Comissão do Planeamento Familiar. Isto porque, devido à lei de um filho por casal, as famílias preferem um descendente masculino e por isso as gravidezes de bebés de sexo feminino são muitas vezes interrompidas.

Em Pequim - onde circularam 80 mil funcionários de inquérito na mão - havia bandeiras a dizer para ajudar a construir uma "sociedade harmoniosa" respondendo às perguntas, ou a recomendar: "Apoie o censo com um sorriso, contribua para o desenvolvimento com as estatísticas".

Para afastar as desconfianças e os temores de que as respostas possam trazer complicações, o vice-primeiro-ministro Li Keqiang foi à televisão pedir aos chineses que colaborem no recenseamento, prometendo que as informações privadas ficarão confidenciais (serão mesmo destruídas depois de compiladas e publicadas).

Os chineses estão a desenvolver um sentimento de privacidade que pode chocar com algumas das perguntas que foram feitas (e que, já para evitar susceptibilidades, excluem dados como religião e rendimentos anuais). "As pessoas acham que já não devem ser controladas", afirmou ao China Daily Zhang Yi, investigador da Academia Chinesa de Ciências Sociais. "Em vez disso, acreditam que devem ser servidas pelo Governo. É por isso que dizem "não" aos que vêm recolher o censo antes de se convencerem que a sua privacidade está protegida".

Mais difícil ter informações

O vice-director do gabinete responsável pelo censo, Xing Zhihong, adiantou que "é mais difícil recolher informações desta vez do que nos censos anteriores... Nem todos os residentes estão dispostos a revelar informação pessoal".

O mesmo diário anglófono noticiava que o Presidente Hu Jintao e outros dez altos responsáveis do regime (membros do Comité Permanente do Politburo do PCC) foram dos primeiros a participar no inquérito, que inclui 18 perguntas como: sexo, idade, grupo étnico, educação, área de residência, número de divisões da casa. Dez por cento da população respondeu a um questionário mais extenso, com 45 perguntas. No fim de Abril sairá um relatório oficial com os dados recolhidos.

O estudo faz-se a cada dez anos para que o Governo avalie as necessidades da sua população e as políticas que devem ser adoptadas de futuro. Mas, apesar de todo o investimento - vai custar 700 milhões de yuans, quase 74,8 milhões de euros -, há dúvidas de que os dados recolhidos possam traçar um panorama fiel da realidade do país de 1,3 mil milhões (eram 594 milhões quando o primeiro censo foi feito, em 1953).

Há muitos chineses que vêem razões fortes para omitir tanto quanto o que revelam.

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