Ruy Duarte de Carvalho: A obra deste escritor também é cinema

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Alguns dos títulos que hoje serão exibidos na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, estavam dispersos e foram reunidos com a ajuda da família de Ruy Duarte de Carvalho DR

É uma homenagem, mas também é a história de uma longa amizade. Entre o poeta, antropólogo, escritor e cineasta angolano Ruy Duarte de Carvalho, e o produtor Paulo Branco - a primeira pessoa a mostrar os seus filmes, numa pequena sala em Paris, o Action-République, há mais de 30 anos. Alguns desses filmes regressam hoje, para uma evocação póstuma ao escritor, que morreu no Verão passado. A homenagem é organizada no Estoril Film Festival, que Paulo Branco dirige desde a primeira edição, em 2007, e do qual Ruy Duarte de Carvalho chegou a ser jurado.

Entre um e outro momento, alguns títulos da filmografia de Ruy Duarte de Carvalho foram apresentados em, pelo menos, duas outras retrospectivas: no Centro Cultural de Belém, em 2008, e no Dockanema, em Maputo, no ano passado, com o escritor a assistir.

Agora, Paulo Branco quis homenagear o amigo ausente para que não se continue a passar ao lado da obra de "um dos maiores artistas, poetas, escritores e cineastas em língua portuguesa".

"Em Portugal, os seus filmes foram ignorados. E no espólio da Televisão Pública de Angola (TPA) [que produziu os seus primeiros documentários] não existem", disse ao P2. O seu cinema "ultrapassa muito o seu trabalho de antropólogo, está muito ligado à sua relação com o país, com o trabalho permanente com a escrita". A maneira como filma, insistindo em não intervir no documentário, é algo de "extremamente novo nos anos 70".

Alguns dos títulos que hoje serão exibidos na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, estavam dispersos e foram reunidos com a ajuda da família de Ruy Duarte de Carvalho. Alguns filmes julgava-se estarem mesmo desaparecidos, outros, na longa filmografia começada em 1975 e terminada em 1989, continuam por encontrar.

Mais pessoas ficarão assim a saber que, além de livros como Vou Lá Visitar Pastores, Os Papéis do Inglês e As Paisagens Propícias, a vasta obra do autor passa pelo cinema.

Desse tempo em que trabalhou com a TPA e o Instituto Angolano de Cinema, depois da independência de Angola em 1975, resultou, entre outros, Presente Angolano, Tempo Mumuíla (uma série de dez documentários, de 1979, dos quais serão exibidos Ofícios, O Kimzanda, Makumukas e Pedra Sozinha não Sustém Panela).

As duas únicas longas-metragens, que realizou mais tarde, Nelisita: Narrativas Nyaneka (1982) e Moia: O Recado das Ilhas (filmado em Cabo Verde, em 1989, mas apresentado numa nova montagem do realizador, de 2004), também serão hoje exibidas.

Entre um tempo e outro, e servindo-se já dos conhecimentos de antropologia, fez várias campanhas com o povo dos mucubais, na província de Namibe. Foi na cidade com o mesmo nome, antiga Moçâmedes, para onde emigraram os pais portugueses, que Ruy Duarte de Carvalho viveu parte da sua juventude (viria mais tarde a adquirir a nacionalidade angolana).

Quase todos os títulos do escritor e cineasta remetem para essa realidade profunda angolana, uma territorialidade não urbana, uma geografia a que se liga profundamente, neste canto da África Austral, e por onde navega como se não existissem fronteiras. A mesma onde veio a morrer, em Agosto passado, em Swakopmund, na Namíbia, junto à Huíla e a Namibe, onde filmou.

Para ele o cinema queria-se antes de mais cinema tal e qual e com uma linguagem própria. Não cinema etnográfico, porque esse seria um registo fixo. Em vez disso, os seus filmes punham as pessoas a pensar na sua vivência presente, nas suas expectativas.

Longe dos povos partoris, da vida no deserto, deixou Uma Festa para Viver, documentário em que filma as expectativas nalguns bairros de Luanda, como o Cazenga, nos 15 dias que antecedem a declaração da independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975.

Passam agora exactamente 35 anos sobre esse dia, mas não foi por isso que esse seu breve documento com filmagens do hastear da bandeira angolana sobre a bandeira portuguesa entretanto arriada, no município do Prenda, será mostrado hoje. Foi um acaso feliz.

Na homenagem de hoje, haverá, além dos filmes, uma leitura de textos do escritor pelo actor Diogo Dória e um debate com a editora e jornalista Marta Lança, a escritora e antropóloga Ana Paula Tavares e Paulo Branco.

Estoril Film Festival

Homenagem a Ruy Duarte de Carvalho
Cascais Casa das Histórias Paula Rego?Moia: O Recado das Ilhas e Nelisita: Narrativas Nyaneka (15h00); Presente Angolano e Tempo Mumuíla, seis documentários da série de dez (17h30 e 22h00);Uma Festa para Viver(22h00)
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