Torne-se perito

José Fernando já nem tem pão para comer com a sopa

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O projecto está sem dinheiro e a comida está igual à de outros sítios NFACTOS/Fernando Veludo

Projecto de redução de danos na zona oriental do Porto aguenta-se com dificuldade

José Fernando passava grande parte do dia no gabinete de apoio da Arrimo - cooperativa para o desenvolvimento social e comunitário. Ia a uma estrutura de tratamento tomar a metadona e vinha para o pré-fabricado montado no Freixo, fronteira do Porto com Gondomar. "Almoçava, jogava cartas, lanchava, fazia tempo para o jantar." Agora, já não lhe apetece passar tanto tempo ali. Tem menos gente com quem partilhar o tempo. O projecto está sem dinheiro. A comida tornou-se igual à de tantos outros sítios. Sopa, fruta - iogurte, se houver.

A noite caiu fria e apanhou-o ali dentro. Pode ficar, no conforto do sofá, até às 22h00. Depois, terá de caminhar até ao seu "cubículo", uma divisão de um edifício devoluto. Não é uma originalidade sua. Os frequentadores desta estrutura - pintada de branco e rodeada de grades que parecem espetos apontados para o céu - dormem na rua ou em casas devolutas ou em quartos quase sempre pagos em parte pela Segurança Social.

Esteve preso por tráfico de droga. Quando saiu, em Fevereiro, acolheu-o a companheira, só que a relação num instante azedou. O homem, de 34 anos, refugiou-se em casa de uma tia, mas ela também não o aguentou. "Indirectamente, estava a mandar-me embora e em Abril eu tirei o bilhete."

Abril foi o mês em que o gabinete de apoio abriu as portas a consumidores desestruturados, sem retaguarda familiar, como ele. O projecto de redução de danos conjuga este posto fixo com um posto móvel - conduzido por uma equipa multidisciplinar que anda pela zona oriental do Porto a fazer educação para a saúde, a trocar seringas, a administrar metadona, a encaminhar ou a acompanhar toxicodependentes para serviços públicos. E está em mudança de ciclo.

O Instituto da Droga e da Toxicodependência suspende o envio de verba na fase de avaliação dos projectos. "É complicado gerir essa fase", diz António Caspurro, responsável pela cooperativa. Está a tentar diversificar fontes de financiamento. "Tem sido complicado. A cooperativa tem três anos. Somos técnicos. Não temos experiência em termos de financiamento de uma organização. Só agora estamos a começar a atingir alguma estabilidade." E as notícias vindas de cima convidam a um renovado esforço. Os cooperantes já foram avisados de que o projecto será renovado com um corte na ordem dos dez por cento.

As refeições, outrora completas, tornaram-se básicas. E o lugar perdeu atractividade; José Fernando perdeu companheiros para as cartas. Instituições e particulares distribuem sopa em diversas partes da cidade, lembra a enfermeira Catarina Cunha. Quem dela precisa desloca-se ao ponto mais próximo. Só que quem distribui sopa na rua tende a não fazer atendimento especializado, como aqui se faz.

José Fernando está no começo. Consome metadona, heroína, base de cocaína. Assobia e acena a automobilistas que procuram o lugar para estacionar. Quando o Porto joga em casa, é um fartote. Quinta-feira, o Porto venceu o Besiktas por 1-3 e ele angariou 82 euros das cinco às oito da noite. Hoje é sexta-feira. O homem, alto, bem constituído, só tem cinco euros no bolso e protesta por já nem haver pão. Tornará a haver esta semana. Graças à Junta de Freguesia de Campanhã, um dos mais activos parceiros.

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