Há séries de televisão que dão coragem a quem está doente

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The Big C dr

As séries que relatam a história de alguém com uma doença grave multiplicam-se. E podem ser inspiradoras, apesar do risco de nem sempre darem um retrato fiel da realidade. A alta-comissária para a Saúde acha que até deviam ser mais

Os portugueses mantêm uma relação forte com a televisão. Dentro das suas casas a atenção vira-se para a televisão como se de uma pessoa se tratasse. Ela dá informação, entretém, é tema de conversa e consegue até influenciar atitudes. Mas quando o tema é saúde dará a televisão uma representação fiel da realidade? E pode ajudar quem está doente?

Longe do sucesso de ER (Serviço de Urgência) ou Dr House, que têm o hospital como cenário principal, a abordagem da doença em séries televisivas é cada vez mais frequente. O Sexo e a Cidade, Donas de Casa Desesperadas, Irmãos e Irmãs, A Letra L, Anatomia de Grey e, mais recentemente, The Big C são séries distintas, umas de humor e outras mais dramáticas, mas em comum têm o facto de representarem a luta de alguém contra uma doença grave.

O tabu da doença como algo terrível e da qual as pessoas têm vergonha e medo de falar está a desaparecer. Mas o bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, vê o fenómeno com cautela. "É preciso perceber que estas séries servem para entreter e por isso tendem a ver a realidade de uma forma positiva, esquecendo muitas vezes as verdadeiras consequências."

O mais recente caso de sucesso é a série norte-americana, que se estreou em Agosto deste ano e ainda sem emissão em Portugal, The Big C. Aqui, conta-se a história de uma mulher que muda a sua vida quando descobre que tem cancro em fase terminal. Ao saber que tem os dias contados, Cathy Jamison, protagonizada pela actriz Laura Linney, decide aproveitar a vida ao máximo e enfrentar a situação com humor.

As mensagens de apoio multiplicaram-se na página oficial de The Big C e muitos doentes fizeram mesmo questão de deixar o seu testemunho. "Tenho cancro, estágio IV, e esta série é inspiradora. Ajudou-me a ver a vida e a doença com outros olhos. Obrigada", escreveu uma telespectadora.

Mas Pedro Nunes alerta: "Não se pode esquecer a diferença cultural entre a realidade americana e a portuguesa. Nem tudo o que se passa lá [EUA] se pode aplicar à nossa realidade."

Desmistificação da doença

Já para Maria do Céu Machado, alta-comissária para a Saúde, "tudo isto são formas de informar e um cidadão informado lida melhor com a sua doença".

Defensora de uma educação para a saúde, Maria do Céu Machado entende que todas as séries, novelas e programas de televisão deviam dar atenção ao tema. "Há uns anos era tudo muito diferente, o doente não sabia nada, nem tinha noção do que se passava consigo. Hoje, com a Internet e com a televisão, até costumamos brincar e dizer que o doente quando vem ao médico é para ouvir uma segunda opinião."

E o risco de banalização da doença? A alta-comissária acha que não existe. "É uma mais-valia", afirma. Ideia igualmente partilhada por António Vaz Carneiro, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa: "Estas séries dão força e coragem e isso é muito bom."

Apesar de levantarem algumas questões em relação ao rigor médico, a abordagem positiva da forma como se pode lidar com a doença, que geralmente estas séries retratam, pode ajudar o doente a enfrentar o seu problema, continua Vaz Carneiro. "Há uma desmistificação da doença. Ao verem estas séries os doentes partilham os medos e as ânsias dos personagens e isso vai ajudá-los a encarar o problema, deixando de ter medo."

"Expectativa elevada"

Agostinho Marques, director da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, defende que "tudo depende da qualidade" dos programas. "Há séries muito bem feitas e que, definitivamente, podem ajudar o doente a lidar com a doença", diz o médico. Porém, "é preciso ter muito cuidado, porque quando se mostra uma doença na televisão, particulariza-se e cada caso é um caso".

Há um outro risco. As pessoas têm tendência para se identificarem com as situações que vêem representadas na televisão, o que muitas vezes pode "acabar em desilusão". "Expectativa elevada", chama-lhe António Vaz Carneiro.

Em Portugal, os autores começam agora a mostrar esta preocupação. Cancro e esclerose múltipla já tiveram a sua representação em telenovelas portuguesas, trazendo assim o tema para discussão pública e alertando as pessoas para o problema. A alta-comissária para a Saúde acredita que "devia haver muito mais".

"As novelas brasileiras têm por hábito introduzir motivos de saúde e chamar a atenção para os problemas e ainda falta um pouco disso nas novelas portuguesas", conclui Maria do Céu Machado. "É preciso despertar o cidadão."

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