Escrutínio aos sete anos de presidência de Luís Filipe Vieira

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Pedro Cunha (arquivo)

O escrutínio dos sete anos que soma a presidência de Luís Filipe Vieira pode ser feito à luz de diversas variáveis e outros tantos instrumentos de medida. Os resultados podem diferir, e de forma substancial, em função de quem os interpreta. Mas a factualidade acaba por tornar óbvia a principal conclusão: o Benfica ganhou muito, em quase todos os domínios, com a eleição do seu 34.º presidente.

Vieira chegou à cadeira presidencial a 3 de Novembro de 2003 e, no início de Julho de 2009, foi reeleito para o seu terceiro mandato, após bater o obscuro Bruno Carvalho com quase 92 por centos dos votos, nas segundas eleições mais participadas de sempre. De facto, Vieira pode ainda acrescentar no seu currículo os dois anos e meio anteriores à sua primeira eleição, quando Manuel Vilarinho, no quarto mês da sua presidência, o escolheu para dirigir o futebol.

Faz até algum sentido que os seus mandatos, que perfazem uma década, sejam avaliados em conjunto. Porque marcaram a ruptura com o período das trevas e da quase falência sob a direcção tresloucada de Vale e Azevedo, que em pouco tempo aumentou o passivo de 60 para 100 milhões de euros e que - garantiu-o Vilarinho ao Record - "subtraiu ao clube seis milhões de contos [30 milhões de euros]". E porque se Vieira gosta de enfatizar o seu papel na recuperação da credibilidade do clube, bem como na dotação deste com infra-estruturas funcionais e modernas, é também óbvio que nada disso teria sido possível sem a eleição e a acção reformadora de Vilarinho, que na tomada de posse passou quatro cheques pessoais (num total de 800 mil euros) e que logo foi obrigado a despedir 200 funcionários e a "inventar" 30 milhões de euros para pagar as dívidas mais prementes nos dois primeiros meses. Foi ainda no seu consulado que nasceu a SAD e a SGPS (que permitiu ao clube manter o controlo da Sociedade Desportiva), bem como arrancou e ficou concluído, num prazo recorde, o novo Estádio da Luz.

Mas se a equipa de Vilarinho travou a queda no abismo, foi com Vieira que o Benfica ultrapassou completamente o trauma e a herança catastrófica de Vale e Azevedo. O clube já tinha recuperado parte da credibilidade junto da banca e dos fornecedores, mas com Vieira ganhou mesmo o respeito do mercado, realidade que lhe permitiu melhorar substancialmente os contratos publicitários e entrar, de forma inovadora no nosso país, nalgumas áreas de negócio, como acabou por ser o naming do estágio no Seixal (obra de Vieira, que ficou por 14 milhões de euros) e, mais recentemente, o fundo de jogadores criado pelo próprio Benfica. Nesta área importa relevar o papel importante que assume, cada vez mais, Domingos Soares de Oliveira, o braço-direito do presidente. Normal, porque Vilarinho também contou com Mário Dias, mais um empresário da área da construção civil, para se decidir pelo arranque da construção do novo estádio.

Em resultado do trabalho de Soares de Oliveira, as receitas operacionais têm aumentado nos sucessivos exercícios da SAD. Importa, no entanto, referir que o relativo equilíbrio das contas tem sido claramente obtido à conta da receita, já que os custos com o pessoal e com as transferências têm aumentado de forma considerável. Não por acaso, a SAD acaba de assumir um prejuízo de 19 milhões de euros no exercício de 2009/10, mesmo assim uma melhoria significativa relativamente ao período anterior (-34,9 milhões de euros).

Em Junho deste ano, o próprio Vieira reconhecia à Benfica TV que a SAD "tem um endividamento consolidado de 225 milhões de euros". "Mas, se tivermos que nos endividar mais, vamos endividar-nos mais", acrescentava, seguro de que os activos, designadamente os passes dos jogadores, são suficientes para dar lastro ao passivo acumulado. Mas, para suportar e manter o nível de investimento, o Benfica recorreu a um empréstimo obrigacionista de 40 milhões de euros e concretizou um contrato publicitário no mesmo valor com a Sagres para os próximos dez anos.

A estratégia de aumento do número sócios, iniciada com um kit que chegou a ser ridicularizado, também tem contribuído para o aumento de receitas. Já foi ultrapassada a barreira dos 200 mil, tornando menos utópica a ideia dos 300 mil. Para isso tem contribuído o discurso populista (e por vezes contraditório) e o calcorrear da comitiva presidencial pelas Casas do Benfica. Depois do uso e abuso à volta do Apito Dourado, a comunicação tornou-se uma área poderosa e influente com a contratação de João Gabriel (apesar dos exageros desnecessários protagonizados pela Benfica TV), que nada deve ter tido a ver com o incongruente comunicado dos corpos sociais que recentemente procurou responder aos erros de arbitragem em Guimarães e à sucessão de maus resultados. Mais discutível só mesmo a alteração estatutária, que passou a só permitir candidatos presidenciais com mais de 15 anos de sócio...

Vieira costuma referir-se ao seu "projecto" como se de uma receita miraculosa se tratasse. Mas esta estratégia de alto risco não é mais do que a repetição do modelo do FC Porto, que há muito anda no fio da navalha, obrigado a realizar todos os anos um encaixe de, pelo menos, 35 milhões em jogadores. Valores que não excluem a necessidade dos milhões da Champions, que ainda tem o condão de servir de montra aos jogadores.

O Benfica vai na quarta época a investir, pelo menos, 25 milhões de euros (no último exercício é assumido um gasto de 37,1 milhões em aquisições). É muito dinheiro, algum mal empregue em contratações que não o justificaram. Na última década foram contratados mais de 130 jogadores, e foram gastos 120 milhões de euros desde 2007/08.

Mas é indesmentível que, ao longo dos últimos anos, Vieira foi formando um plantel que, nos últimos 20 anos, só pode ser comparado à equipa que tinha Mozer, Paneira, Paulo Sousa, João Pinto e Rui Costa. E esse mérito, ninguém lho pode retirar.

Vieira começou por apostar em José Veiga como director desportivo, mas deixou-o cair quando o ex-empresário foi investigado a propósito dos dinheiros envolvidos na mudança de João Pinto para o Sporting. Dois anos depois, o lugar passou a ser ocupado por Rui Costa, que também continua a ser utilizado como "escudo", quando dá jeito. Com Vieira, o Benfica já teve sete treinadores (sem contar com Chalana): Camacho, Trapattoni, Koeman, Fernando Santos, novamente Camacho, Quique Flores e Jorge Jesus. Demasiados nomes, sendo que Vieira assume como erro principal a dispensa de Fernando Santos.

O presidente conseguiu festejar o seu primeiro título de campeão logo na segunda época completa à frente do clube, à custa de uma equipa então ainda constituída por vários "patinhos feios" e treinada por um Trapattoni que teima em não se reformar. Vieira logo anunciou o início de uma época triunfante, discurso que foi sendo gasto e reformulado ao longo dos tempos. E quando o Benfica, na época passada, pôs cobro aos quatro anos de sucesso ininterrupto do FC Porto, o presidente aproveitou para dizer que os anos anteriores tinham sido aproveitados para ganhar estruturas e que, agora sim, ia começar o período dourado.

A presente liga não o está a confirmar, embora seja preciso esperar pelo duelo de depois de amanhã, no Dragão, para avaliar melhor a situação. A verdade é que Vieira pode reclamar o mérito de, em sete anos, ter vencido duas ligas (para além de uma Taça de Portugal, na primeira passagem de Camacho, e duas Taças da Liga). Muito ou pouco, terá sempre de lidar com a comparação com o seu ex-aliado e hoje inimigo figadal Pinto da Costa, que, no segundo ano como presidente, levou o FC Porto à final da Taça das Taças, foi campeão nacional ao terceiro (e também ao quarto), e ao quinto levantou as taças de campeão da Europa e do Mundo. Mas, por outro lado, os adeptos benfiquistas sabem que o Benfica nada havia ganho nas nove épocas anteriores à primeira eleição de Vieira. E isso tem muito peso.

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