A maior economia mundial já não está em recessão mas comporta-se como se estivesse
A crise financeira ficou para trás, mas deixou estilhaços: um desemprego elevado, uma dívida gigante e um consumo fraco. Os americanos confiam pouco nas políticas económicas de Obama
Ainda não passaram duas semanas desde que Lawrence Summers, antigo secretário do Tesouro, anunciou que iria deixar a direcção do conselho económico de Barack Obama até ao final do ano. Em apenas quatro meses, esta é a terceira baixa na equipa de conselheiros económicos do Presidente norte-americano. Em Julho, saiu o director do orçamento Peter Orszag, que ajudou a preparar o plano de estímulos à economia mais caro de sempre e a polémica reforma do sistema de saúde. Em Agosto, foi a vez da economista Christina Romer, que fracassou na promessa de reduzir o desemprego.
O ritmo a que Barack Obama tem perdido os seus braços-direitos na política económica ilustra bem quanto a instabilidade da economia está a pesar nos ombros dos democratas, em véspera de eleições intercalares para o Congresso. Horas antes da saída de Lawrence Summers, o banco central norte-americano revia em baixa o crescimento da economia no segundo trimestre e avisava que está preparado para tomar mais medidas de estímulo se necessário. A retoma está em risco? Ninguém confirma, mas também ninguém desmente.
As exportações não estão a crescer como se previa, o mercado imobiliário permanece frágil e as famílias, ainda altamente endividadas e a braços com um desemprego elevado, estão a bater recordes nos níveis de poupança, adiando o consumo - uma componente que representa 70 por cento da economia do país. O barómetro de Outubro sobre o sentimento do consumidor da Thomson Reuters e da Universidade do Michigan mostra que a expectativa quanto às condições económicas está ao nível mais baixo desde Novembro de 2009 e que a opinião dos norte-americanos sobre as políticas económicas do Governo está ao pior nível desde que Barack Obama é Presidente.
Outro sinal de que a economia permanece frágil é que os EUA voltaram a reanimar os estímulos à economia, numa altura em que muitos países europeus já elegeram como prioridade a consolidação orçamental. Nos últimos meses, a Reserva Federal norte-americana voltou a comprar títulos obrigacionistas públicos e privados (o que, na prática, significa pôr mais dinheiro a circular, estimulando o financiamento às empresas e famílias) e já admitiu avançar com mais medidas excepcionais que alimentem a economia. A Administração de Barack Obama avançou também com um plano ambicioso de obras públicas no valor de 50 mil milhões de dólares para os próximos seis anos, com o objectivo de ajudar a combater aquele que é o seu principal calcanhar de Aquiles: o desemprego. E um desemprego que, ainda para mais, está a ser diferente do das últimas recessões.
Num relatório divulgado no mês passado, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) alertava que a crise conduziu a um aumento do desemprego de longa duração. Actualmente, há quase 15 milhões de pessoas sem emprego no país, um terço dos quais há mais de seis meses, a medida usada nos EUA para determinar o desemprego de longa duração. "O lema dos próximos dois anos da Administração Obama terá de ser Jobs, jobs, jobs [Emprego, emprego, emprego], é isso que determinará se é ou não reeleito", destaca o economista português Álvaro Santos Pereira, que dá aulas na Simon Fraser University, no Canadá.
"Haveria alternativa?"
Ao desemprego elevado o Presidente norte-americano soma outro desafio de peso: a dívida pública, que ronda actualmente os 94 por cento do PIB e engordou à custa das intervenções no Iraque e no Afeganistão (ainda nos tempos de George W. Bush) e dos planos de resgate à economia na sequência da crise financeira que rebentou em 2008. "Enquanto os republicanos dizem que é preciso consolidar as finanças públicas, os democratas ainda acham que a economia precisa de estímulos", explica o economista. "Nestas eleições, os democratas arriscam pagar o preço de como a economia está, pois ou perdem o controlo do Congresso, ou vêem a sua margem de manobra reduzida", alerta.O Fundo Monetário Internacional (FMI) já reviu em baixa as previsões de crescimento para este ano e para 2011. Em vez de crescer 3,3 por cento, o PIB norte-americano vai aumentar apenas 2,6 este ano e, em 2011, 2,3 por cento. "A continuação de uma retoma lenta, com um crescimento bem mais débil do que nas retomas anteriores devido à força da recessão, é o cenário mais provável", considera o FMI, avisando que há riscos elevados de as suas previsões sobre o país se deteriorarem. "Haveria alternativa à situação actual?", questiona Álvaro Santos Pereira, para logo a seguir defender que os planos de resgate lançados por Obama, nomeadamente à banca ou ao sector automóvel, eram inevitáveis. "A Grande Depressão dos anos 30 tornou-se tão grave porque o Governo não interveio", recorda.
Foi também a esta conclusão que chegou uma análise de Alan Blinder (ex-vice-presidente da Reserva Federal) e Mark Zandi (ex-conselheiro da campanha presidencial do adversário de Obama, John McCain). Estes economistas mostraram que, retirando tudo o que o Governo fez para dominar a crise - juros à taxa zero e empréstimos extraordinários da Fed, resgates aos bancos, à General Motors e à Chrysler, aquisição das agências de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac ou reduções fiscais -, a economia estaria agora oito por cento mais débil, com menos oito milhões de postos de trabalho e um défice orçamental de dois mil milhões de dólares este ano, em vez de 1,4 mil milhões. Resta saber se os norte-americanos se contentam com uma economia que cresce, mas não o suficiente para gerar emprego.