“Estão em curso renegociações nas Estradas que serão escandalosas”

Refere no seu livro que os relatórios de Orçamento de Estado têm sido muito opacos em termos de encargos com parcerias público privadas. Tem alguma explicação para tal acontecer?

É opaco por duas razões; primeiro só fala em encargos líquidos, deduz aos encargos brutos as receitas, mas não diz nunca quais são as receitas; depois, não explica uma única metodologia para nos indicar os valores a que chegou. O propósito é manifestamente o de dar informação mínima.

Depois, vamos tendo noticia de que esses encargos começam a derrapar.

Eu tive uma área de controlo limitada ao sector empresarial do Estado e às PPP. Nesses dois domínios, fiz reporte do que consegui averiguar. Só nas PPP, rodoviárias ferroviárias e da saúde, no final de 2009 o montante dos encargos, acumulados, transferidos para as gerações futuras atingia, pelo menos, 50 mil milhões de euros. Mas vai ser mais. Porque há aí uns fenómenos que não estão ainda contabilizados.


Que fenómenos?

Neste momento, apurados, estão encargo que, a partir de 2014 e até 2024, só com as concessões rodoviárias, ferroviárias e de saúde, a média de encargo anual para o OE vai ser de 1600 milhões de euros. A Estradas de Portugal vai pagar às subconcessionárias uma renda fixa que deve rondar os 700 e os 900 milhões de euros, por ano, por vias em que as expectativas de tráfego são diminutas, e portanto receitas de portagem são praticamente inexistentes. Mas essa factura vai aumentar, se se confirmar que, tal como todas as ex-scut, também sejam renegociados os contratos em concessões de portagens reais como a Grande Lisboa [CREL], a concessão Norte [A7 e A11], a Douro Litoral [A32] e Litoral Centro [A17].


A concessão norte e a Grande Lisboa já estão renegociadas, e é a EP quem está a receber as portagens da A7 e A11 e ainda da Crel...

Mas nessas o problema até se põe em menor escala. No Douro litoral e no Litoral Centro o negócio da renegociação pode ser escandaloso.


Porquê?

São o caso que poderão ser mais lesivos para os interesses dos contribuintes, mais gravoso do ponto de vista financeiro. Estando elas em regime de portagem real mas com receitas muito fracas – com tráfego abaixo das expectativas que estavam previstas no Caso Base, a renegociação que se perfila é elas passarem a receber uma renda fixa, indexada a essas previsões optimistas. Elas, que têm um volume de negócios que neste momento não as encoraja, passarão a ter um volume de negócios muito mais optimista. E isto será feito a troco de quê? De deixarem de ser concessões da administração central, como são neste momento, para passarem a ser a subconcessões da EP.


E também vai surgir a factura pela renegociação das quatro scuts que falta introduzir portagens.

As portagens das scut não pagam mais do que 30 por cento dos custos delas. A EP vai ter de continuar a recorrer a empréstimos. E os utentes das ex-Scut que vão estar sujeitos a uma “tripla tributação”: pagam a portagem, pagam o Contributo do serviço Rodoviário - uma forma artificial de receita própria da Estradas de Portugal que está indexada ao Imposto sobre produtos Petrolíferos, e ainda hão-de pagar as amortizações e os juros dos empréstimos que a empresa tem de continuar a contrair. E quem não passa nas scut terá uma dupla tributação.


Contabilizou, no seu livro, que a derrapagem nas seis subconcessões da Estradas de Portugal, entre propostas iniciais e finais, em cerca de 700 milhões. Mas, depois da recusa de visto prévio do Tribunal de Contas (TC), foram feitos novos contratos e os valores foram corrigidos. Mas o presidente da Estradas de Portugal referiu-se a pagamentos contigentes, anexos a esses contratos. Em que ficamos?

Esse é um exemplo acabado de como o acompanhamento na execução dos contratos é vital. Na fase final de negociações, já depois dos concorrentes pré-seleccionados , esses seis contratos derraparam, no globalmente, 700 milhões de euros porque o concedente público aceitou crise financeira internacional como argumento, aceitou que as parcerias ficassem mais caras. O TC não aceitou este e outros argumentos, os contratos foram renegociados e este sobrecusto foi apagado. Mas, se na fase de execução estes contratos não forem monitorizados à lupa pelo Estado e pelo TC, como é evidente este valor vão ser recuperados.


Com que argumento?

Ao longo dos 30 anos da concessão, através de todo o rendilhado de causas que estes contratos têm, invocando alteração das condições supervenientes que desequilibrem o caso base, podem dar origem à recuperação, por via indirecta de todos estes montantes, através de acordos de reequilíbrio financeiro. Para se obter o visto do TC, todos estão de acordo em ter tudo em ordem. Mas depois... É como nas empreitadas de Obras Públicas e quando o critério é o do mais baixo preço. O mais baixo preço ganha o concurso, mas durante a execução da empreitada, com trabalhos a mais e a menos, o preço não para de aumentar.


Chega a referir-se ao critério do preço como um critério algo irracional.

Disse-o porque auditei várias obras publicas, e a experiencia demonstrou que na fase de execução de empreitada todos os custos derraparam. O Estado tem todo o interesse em ter propostas do ponto de vista técnico, bem estruturadas que não aumentem a despesa.


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