O Benfica e os cartões amarelos

Os jornais desportivos gastaram rios de tinta durante a semana a tentar prever os substitutos de Maxi Pereira (Luís Filipe, porque Ruben Amorim continua lesionado?), Luisão (Sidnei?), Javi Garcia (Airton?) e Carlos Martins (Felipe Menezes ou Jara?), todos em risco de falharem a viagem ao Dragão caso sejam punidos, hoje na Luz, com um cartão amarelo frente ao Paços de Ferreira. Mas, ontem, O Jogo já garantia que, afinal, Jorge Jesus não vai resguardar nenhum dos quatro. Faz algum sentido. Primeiro, porque o Benfica não tem margem de erro e de pouco servirá apresentar-se na máxima força no Dragão se, antes, tiver desperdiçado pontos frente aos pacenses. Depois, porque a quatro jogadores tão maduros exige-se que saibam gerir a sua folha disciplinar durante 90 minutos.

Villas-Boas não é apenas um clone de Mourinho

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Foto: Murad Sezer/Reuters

André Villas-Boas não é um clone de José Mourinho – pode já assegurar-se com relativa segurança. A dúvida tinha razão de ser. A começar pelos cinco anos de contágio no FC Porto, Chelsea e Inter de Milão. Mas também pela pose ufana, o discurso muitas vezes cortante, a barba de dois dias e até o início de carreira igualmente polémico: Mourinho encostou o Benfica à parede, antes de deixar, furibundo, a Luz; Villas-Boas mandou às malvas o acordo com o Sporting, após ter sido aliciado por Pinto da Costa. A certeza de que Villas-Boas não é apenas uma descendência da célula matriz (e menos ainda uma réplica forçada e artificial) resulta de uma evidência que não pode ser fruto de nenhum processo de mimetismo: a qualidade do seu trabalho. Mais do que os resultados, esse certificado é como o algodão: não engana.

Assisti no Estádio do Dragão, a 23 de Outubro de 2009, à estreia de André Villas-Boas enquanto técnico principal. Após garantir a “carta de alforria” de Mourinho, com quem as relações tinham azedado já há algum tempo, substituiu Rogério Gonçalves numa Académica que, ao fim da oitava jornada, se arrastava na cauda da tabela classificativa, com apenas três pontos – acabaria a prova com oito pontos acima da linha de água. Nessa noite, o FC Porto venceu por 3-2, mas, logo ali, Villas-Boas chamou a atenção por ter conseguido, em apenas três dias de treino, que a equipa de Coimbra se transfigurasse. Viu-se uma Académica com rigor táctico, ideias, qualidade de jogo e futebol positivo. Os jogadores mostraram-se concentrados, desinibidos e até ariscos, metamorfose que normalmente reflecte o dedo de quem os comanda. Foram estas as ideias que imperaram no restante campeonato dos conimbricenses, apesar dos resultados com altos e baixos.

Apesar disso, havia que não fazer julgamentos precipitados, até em função da amostra demasiado reduzida do trabalho de André Villas-Boas. Até porque, já se sabe, os treinadores valem pela sua competência, mas são avaliados, quase em exclusivo, pelos resultados. Ignorando as diferentes oportunidades e meios que são colocados à disposição de cada um, o reconhecimento público e publicado acaba, muitas vezes, por resultar em conclusões precipitadas ou até erróneas. Quem não se lembra de Pinto da Costa ter escolhido Quinito para substituir Artur Jorge e do rotundo fracasso que se lhe seguiu? Ou de quando José Roquette apostou em Carlos Manuel, que em Alvalade nunca esteve perto de confirmar o estatuto de treinador da moda com que chegara do Salgueiros?

No plano internacional, também há múltiplos exemplos possíveis, como os do espanhol Victor Fernández, do francês Paul Le Guen e do italiano Roberto Donadoni... Todos eles possuem histórias desportivas diferentes, mas com o ponto comum de (ainda) não terem confirmado as altas expectativas que, em momentos diferentes, chegaram a granjear.

Villas-Boas segue com 31 jogos disputados no campeonato nacional, em que conseguiu 15 vitórias (sete pelo FC Porto), seis empates (um pelo FC Porto) e nove derrotas. Acrescente-se ainda a carreira limpa que, esta época, está a ter na Liga Europa. Mesmo assim, é um currículo, por si só, inconclusivo, até porque os 18 meses que passou nas Caraíbas, ao serviço das Ilhas Virgens Britânicas, serviram apenas para ajudar o fomento do futebol jovem. E, com Mourinho, não teve praticamente trabalho de campo, porque não é isso que o “Special One” exige a quem manda observar os adversários.

Mourinho, que ainda há pouco tempo alertava, numa entrevista ao Record, para o risco dos julgamentos precipitados (embora aqui haja que descontar o facto de Villas-Boas não estar hoje nas suas boas graças...): “Muitos podem perguntar por que é que escolheram alguém que nunca foi treinador na vida, a não ser nestes dois ou três meses na Académica. Tudo vai depender dos jogos e dos resultados. Se ganhar tudo, é o treinador perfeito. Agora não venham fazer comparações comigo, porque eu quando fui para o FC Porto já tinha trabalho de campo feito, o que é bastante diferente. E ainda assim puseram-me muitos pontos de interrogação. Os resultados que consegui é que acabaram por dar razão à opção feita pelo presidente do FC Porto”.

Mourinho tem alguma razão neste separar de águas, mas, por outro lado, começa a ser demasiado evidente que Villas-Boas tem também algo de especial, não importando para o caso se na versão two ou three. A diferença é que Mourinho precisou de um ano e pouco e de um campeonato e uma Taça UEFA ganhos com indubitável mérito para que o seu valor merecesse consenso, enquanto Villas-Boas o está a conseguir mesmo antes de receber as primeiras medalhas. Claro que beneficia do facto de Mourinho ter sido o seu “patrono”, sendo duvidoso que a Académica, o Sporting e mesmo o FC Porto se tivessem lembrado dele sem essa circunstância.

Mas não é por acaso que já há na imprensa internacional quem escreva que “O mini-Mourinho segue os passos do mentor”. Porque salta à vista que André Villas-Boas reúne muitas das qualidades que se exigem a um treinador de alto rendimento. Tem saber empírico, sentido de liderança, argúcia, sensibilidade e discurso, conjunto de qualidades que lhe permitem disfarçar a falta de experiência. Até porque está agora num clube que protege como ninguém os seus treinadores.

Tem sido, porém, no plano táctico que Villas-Boas mais tem enchido as medidas. Sem desprezar a herança recebida de Jesualdo Ferreira, designadamente o sistema desenhado em 4x3x3, moldou rapidamente a equipa à sua filosofia. E o FC Porto transformou-se numa equipa que investe muito na posse de bola e na qualidade da mesma, sem deixar de funcionar em transição quando as circunstâncias o aconselham. A confirmá-lo aí estão as declarações dos técnicos adversários na Liga Europa: “O FC Porto é uma equipa da Liga dos Campeões”, Frank Vercauteren (Genk); “O FC Porto tem estatuto de superfavorito na Liga Europa”, Peter Pacult (treinador do Rapid Viena); “O FC Porto é a equipa mais técnica da Europa, a seguir ao Barcelona”, Gjore Jovanovski (CSKA Sófia); “O FC Porto é uma fábrica de futebol”, Bernd Schuster (treinador do Besiktas).

Villas-Boas começa também a destacar-se pela maleabilidade táctica, aproveitando os momentos certos dos jogos para fazer algumas experiências. Durante um pequeno período, optou por defender com apenas três homens frente ao Limianos, utilizou o losango de início frente ao Genk, voltando a experimentá-lo com o Leiria e, perante o Braga, chegou a ensaiar um ataque móvel assente num 4x2x3x1. E, aquando da expulsão de Maicon na Turquia, provou ter um plano B preparado: tirou Falcão, fixou Hulk na frente (apoiado de perto por João Moutinho) e recuou Rodriguez, garantindo assim o equilíbrio no miolo e os apoios suficientes na frente.

Os jogadores parecem gostar dele e do seu trabalho, o que também faz sempre muita diferença. Até porque, como disse um dia Jorge Valdano, “o êxito no futebol tem mil receitas e o treinador deve crer numa e com ela seduzir os seus jogadores”. Claro que tudo fica mais fácil quando os resultados ajudam, valendo a propósito citar Bella Gutman: “Escreveram-se tratados sobre estratégias e tácticas, mas o jogador não é um estudante universitário. É, sobretudo, um prático e só passa a acreditar nesta estratégia ou naquela táctica se ela se lhe demonstra em campo”.

bprata@publico.pt
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