O fim de uma utopia

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A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, declarou a semana passada em Potsdam, a cidade por excelência do militarismo prussiano, que o multiculturalismo falhara "redondamente" e que dali em diante quem imigrasse para a Alemanha devia falar alemão e aceitar a lei alemã. Esta posição revela com típica brutalidade o fim dessa utopia que é, e sempre foi, a "Europa" e, sobretudo, a "Europa" política e militante que aspirava ingenuamente ao federalismo. Tanto mais que não vem só. Em França, Sarkozy persegue os ciganos de Leste com métodos que o pudor impede de classificar. Em Itália, Berlusconi expulsa com entusiasmo milhares de ilegais. Na Holanda e em Inglaterra, países onde a tolerância tem uma nobre história, a xenofobia cresce. E mesmo a Suécia se juntou a esta inominável caça às minorias.

Merkel não fez mais do que exprimir um sentimento que pouco a pouco se torna geral e que não se aplica, como se julgaria, em exclusivo aos muçulmanos, mas também aos judeus (na Holanda, por exemplo) ou qualquer outro grupo estranho à "comunidade nacional", para usar, como o caso merece, a terminologia nazi. A "Europa" da liberdade parece estar a caminho de uma agonia lenta, em que os valores que apregoou como seus dia a dia se dissipam ou desaparecem, enquanto o nacionalismo tão drasticamente rejeitado depois da Guerra e do III Reich volta à superfície. A "Europa" ocidental, fechada sobre si e justificada pela existência de uma URSS hostil, podia sobreviver com alguma decência; infelizmente a "Europa" de hoje, alargada e porosa, tende a reverter aos seus velhos vícios.

Por quê? Pela simples razão de que, no fundo, nunca houve uma "solidariedade" europeia. Houve um arranjo económico de uma certa eficácia e houve uma burocracia em Bruxelas, que se dedicava a legiferar sobre o que entendia, sem legitimidade ou supervisão. A impotência do "Parlamento" central, a irrelevância de eleições que a maior parte da população ignorava e o manifesto predomínio da França e da Alemanha sobre os pequenos países que delas dependiam impediram que se criasse, excepto para um pequeno número de privilegiados sem significado ou influência, a "Europa do cidadão". Não admira que um patriotismo europeu se não tivesse sobreposto ao patriotismo doméstico de cada um e que o particularismo com a sua cauda de irracionalidade e violência se instalasse de novo no meio de nós. Não, a "Europa" não falhou por falta de Delors, Kohl & Companhia. A "Europa" nasceu mal e cresceu pior.

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