Mafalda Arnauth: fados por fadas

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A acompanhá-la no disco estão sete músicos: Luís Guerreiro; Ramón Maschio; Luís Pontes; Fernando Júdice; Pedro Santos; Daniel Salomé e David Zaccaria Isabel Pinto/Universal

Na carreira de Mafalda Arnauth, "Fadas" é um disco à parte. Ao contrário dos anteriores só tem dois originais e apenas um é escrito por ela. Porquê? Porque Mafalda quis voltar ao passado para gravar pela primeira vez fados antigos, que cantou vezes sem conta nas casas de fado, fados que aprendeu de vozes que moldaram a sua formação de fadista. É uma viagem introspectiva e, simultaneamente um tributo, como ela própria diz: "Os meus últimos três discos já vão sendo pequeninos regressos ao passado. No 'Diário' eu gravo 'Foi Deus' [de Amália], a minha primeira gravação de uma versão; No 'Flor de Fado' vou às minhas essências enquanto cantora; e neste, finalmente, vou ao tal registo do início. E dou por mim a ter essa sensação de fecho de um ciclo. Não sei exactamente o que desvenda para o futuro, mas sabia que esta peça faltava aqui." Um passo calculado, seguro. "Nem que fosse pela vontade imensa de regressar às origens, de ir ao bê-á-bá, de ir ver o que é que cada um desses temas tinha ainda para me dar que eu não vi no início."

Amália e as outras vozes

Quando Mafalda começou a cantar fado, o seu "primeiro reportório era mesmo amaliano." Mas foi crescendo. "Felizmente havia pessoas que me traziam outros discos. O José Luis Nobre Costa, um dos músicos que trabalhavam com o João Braga, trouxe-me o 'Hortelã mourisca', tema que eu desde sempre cantei. A Hermínia Silva, por exemplo, aparece-me por uma colega da veterinária, adorava ouvi-la cantar Hermínia mas pensei que nunca teria aquela ligeireza na voz ou aquela piada. A Fernanda Baptista, era outra colega que cantava as 'Saudades da Júlia Mendes' e só mais tarde é que eu descobri quem era esta grande senhora do teatro de revista. A Celeste Rodrigues é uma senhora com quem eu convivi em casas de fado e é esmagadora a forma como ela canta, como ela está. O 'Vira da minha rua', que eu gravo, é à imagem da felicidade que ela me transmitia. E a Beatriz da Conceição foi quem me apresentou o tema 'Pomba branca', que só depois venho a saber ter sido criado e composto pelo Max. Mas, ao contrário de toda a gente ouvi-o primeiro na voz da Beatriz da Conceição."

Destas influências podiam ter nascido hesitações quanto ao caminho a seguir. Ela nega. "Nunca houve propriamente conflito por causa das pessoas que fui ouvindo, porque eu tinha uma admiração pura por elas. Mas quando tive de gravar, agora, acabei por fazê-lo de forma muito espontânea, para falar de pessoas que para mim foram referências. E foi bom poder fazer isto hoje, com outro chão e com outro conhecimento, depois de ter feito cinco discos de originais."

À primeira vista, dir-se-á que é um tributo feminino. "Fico cheia de medo que as pessoas digam que é um disco só de homenagem a mulheres. Não é. Tem, subliminares, os meus opostos: por trás de grandes mulheres estão grandes homens. 'Fadas' é, acima de tudo, a ideia de magia que estas pessoas vêm imprimir à minha vida. Há um universo de mulheres que o fazem e depois há as fadas como almas fadistas, que alarga esse universo das mulheres aos compositores, aos homens, a uma quantidade de gente."

A acompanhá-la no disco (na versão com DVD há sete temas gravados em vídeo) estão sete músicos: Luís Guerreiro (guitarra portuguesa), Ramón Maschio e Luís Pontes (guitarra clássica), Fernando Júdice (baixo acústico), Pedro Santos (acordeão), Daniel Salomé (sopros) e David Zaccaria (violoncelo). Mas não há instrumentações em excesso. "Todos eles respeitaram uma coisa que eu pedia muito: que cada instrumento convidado fosse humanizado, com fraseados que viessem sobretudo conversar."

Porque não há-de ser fado?

Nos fados antigos ela arrisca passos novos, subtis. "Marujo português" e "Rosinha dos limões", por exemplo, surgem ligados. "Há um elemento no fado que me fascina desde sempre, que é ter de contar histórias. É magnífica a capacidade de uma mesma música servir vários cenários conforme o intérprete, a articulação do poema. Neste caso, há os universos masculino e feminino, é quase yin-yang. Ter essa virilidade de início e depois a 'Rosinha dos limões', que toda a gente conhece... Estou sempre à espera de ver quando é que eles se encontram à esquina e como é que a história do encontro da Rosinha com o Marujo continua a partir daí."

Nos dois temas originais, estão, por outro lado, pedaços dela própria. "Em 'E se não for fado', o Tiago [Torres da Silva] descobre finalmente as palavras que eu andava há imenso tempo à procura de conseguir dizer. Porque eu digo sempre que este é o meu fado; mas se não for o fado óbvio, o fado do xaile, porque é que não há-de ser fado?" E há o único tema que ela assina, "Só corre quem ama": "É uma versão de mim própria, porque ele saiu pela primeira vez no DVD do 'Flor de Fado', ao vivo. Faço uma versão puríssima, tão tradicional quanto a do Fado Menor. E em termos de verdade minha acho que raramente escrevo um poema desses, em que ficamos em cima do muro na mesma. Não é das coisas a caminho do arco-íris, como eu costumo fazer. Acho-o muito honesto."

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