Será o doping um problema espanhol?
Com o desporto espanhol em polvorosa, depois de quatro casos positivos ou “adversos” - definição muito própria da União Ciclista Internacional (UCI) para o caso de Alberto Contador e do clembuterol - em três dias, as autoridades espanholas fizeram o que sempre fazem nestes casos: fecharam os olhos, enterraram a cabeça na areia e fingiram que o problema era de outros, não deles.
Mas o mundo tem Espanha debaixo de olho. Pat McQuaid, irritado pelos sucessivos casos (à mesma hora que o tricampeão do Tour dava uma conferência de imprensa, clamando inocência, Ezequiel Mosquera e David Garcia eram dados como “culpados” por dois positivos durante a Vuelta, uma lista a que se juntaria Margarita Fullana, dois dias depois), foi implacável: “O Governo [espanhol] deve, primeiro do que tudo, reconhecer que existe um problema”. “Uma grande percentagem dos nossos casos de dopagem, mais de 50 por cento, vem de Espanha e parece que, neste momento, não há vontade de atacar o problema. Essa vontade deveria vir de cima, do Governo”, disparou o presidente da UCI.
E o Governo, na pele de Jaime Lissavetsky, vai permanecendo impassível: “Espanha está sob suspeita há muitíssimos anos, mas o doping é um fenómeno global e o problema aqui não é maior nem menor do que no resto do Mundo”.
Para provar a teoria, o secretário do Desporto espanhol, num fórum com o sugestivo título “Temos um problema de dopagem em Espanha?”, recorreu ao irrefutável poder dos números: em 2009, houve 1,2 por cento de positivos, enquanto a média mundial é de 1,1, entre 2008 e 2010, houve 11 sancionados no ciclismo, apenas mais um do que em Itália. “Ter tantos casos é desagradável, mas não é motivo para nos flagelarmos”, disse Albert Soler, presidente da Comissão de Saúde e Desporto. Então porquê esta rotulagem de Espanha como um paraíso do doping? Tem a palavra Lissavetsky: “Não quero parecer patriótico, mas somos observados à lupa por causa dos grandes resultados desportivos”.
Uma questão de inveja ou não, o certo é que a desconfiança quanto aos espanhóis já não é de agora, ou não tivesse a candidatura olímpica de Madrid 2016 caído pelas desconfianças que o Comité Olímpico Internacional demonstrou em relação à política antidoping moderadamente permissiva de Espanha (“Não nos esqueçamos que perdemos Madrid por causa do doping”, relembra o próprio Lissavetsky), ou não fosse a “Operación Puerto” o maior nada na história recente de doping no desporto.
Ainda assim, a escalada da suspeita parece não parar de aumentar e já tomou proporções de Estado. Nem o pretexto de uma poupança global de 14,5 milhões de euros (a juntar aos cortes na luta antidoping, há a redução de oito por cento no orçamento do Conselho do Desporto) convenceu a oposição ao Governo de José Luis Zapatero, com Manuel Dominguez, deputado popular, a perguntar nas páginas da Marca: “Em que estado vai ficar o combate ao doping em Espanha?”.
Itália e França tentam recuperar a imagem
Enquanto Espanha continua no centro da polémica, Itália e França vão recuperando uma imagem manchada por vários casos de dopagem. Se os transalpinos, sob a batuta do fiscal antidopagem, Ettore Torri, movem, desde há alguns, uma perseguição aos “dopados”, com rusgas domiciliárias, controlo apertado e penas duras (Alejandro Valverde, protegido em Espanha, castigado com dois anos de suspensão em Itália, que o diga), os franceses propuseram-se ser o modelo global nos controlos antidoping, com a Agência Francesa Antidopagem (AFLD) a lutar por mais poderes, a criticar a passividade da UCI e a hostilizar todo aquele que apresentar qualquer indício suspeito.
Essa atitude, que alguns consideram “demasiado radical”, valeu-lhe a proibição de realizar testes extras no Tour deste ano.
Caso Mühlegg. Para Jaime Lissavetzky, foi 2.º ponto de inflexão no doping. O esquiador ganhou a medalha de ouro nos Olímpicos e perdeu-a no dia seguinte.
2006
Operación Puerto. É descoberta a maior rede de dopagem do desporto. Onde? Em Espanha. Das dezenas de nomes implicados, contam-se pelos dedos aqueles que foram punidos.
2008
Olímpicos de Pequim. Maribel Moreno pede para regressar a casa. O comité olímpico espanhol autoriza, não sabendo que o acto desesperado se deve a um controlo do doping positivo.
2009
Madrid 2016. A candidatura para sede dos Jogos Olímpicos de 2016 perde esmagadoramente, dias depois de o COI ter questionado a política antidopagem das autoridades espanholas.
2010
Contador e o clembuterol. O melhor ciclista do pelotão tem um controlo “adverso”, especulando-se sobre a possível realização de uma auto transfusão durante o Tour deste ano.