O caminho difícil (e belo) dos Pop Dell'Arte

O cartaz fez tremer de ansiedade muitos fãs da música portuguesa nascida no lado mais perverso e marginal há mais de duas décadas, da qual os Mão Morta e os Pop Dell'Arte, ambos fundados em 1984, são, porventura, os dois maiores representantes no activo.

Começaram os de Braga, com uma actuação que ficou aquém daquelas que já os vimos fazer. Não foi um mau concerto, longe disso (os Mão Morta não os sabem dar), mas não deslumbrou, talvez por algumas escolhas de alinhamento menos direccionadas para o palco, como “Velocidade escaldante”, do disco maldito “Vénus em Chamas” (1994) ou “O seio esquerdo de R.P.”, do recente “Pesadelo em Peluche”. Pelo contrário, temas como “Cão da morte” e “Barcelona (Encontrei-a Na Plaza Real)” (refrão pancadaria punk como a música portuguesa não mais voltou a gerar) foram irrepreensíveis, mesmo que a reacção popular tenha sido contida – e esse é outro factor que explica o concerto morno.

De Braga para Campo de Ourique, do rock directo (com alguns desvios) para o reino dos desvios (com algum rock, nunca directo, pelo meio). João Peste, quase sempre sentado, camisa, gravata aberta, como um romântico vadio, mantém intacta a plasticidade que empresta às palavras (ou sons). É como se, entre jogos fonéticos e o registo de um “crooner” dadaísta, Peste planasse sobre as canções, que vão do delicioso absurdismo de “Poppa mundi”, à pop de “My Funny Ana Lana”, até “O Amor É... Um Gajo Estranho”, feita quase só do baixo repetitivo de José Pedro Moura (o outro membro da formação original dos Pop Dell'Arte) e voz desmaiada.

E que dizer de “Querelle”? Enorme festim de percussão, pós-punk de primeira apanha, canção de dança espantosa que parece sabotar-se a si mesma a cada passo (elogio). Esse parece ser, afinal, o código genético dos Pop Dell’Arte, tantos anos depois: a escolha dos caminhos mais difíceis, não por pretensão, mas porque os fáceis não têm graça nenhuma.

Mão Morta e Pop Dell’Arte

Sala 2, Casa da Música, PortoLotação esgotada

Mão Morta – 3 estrelasPop Dell’Arte – 4,5 estrelas

Sugerir correcção
Comentar