Centenas de guatemaltecos foram na década de 1940 vítimas de um "crime contra a humanidade"

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O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já apresentou desculpas por estas experiências Foto: Larry Downing/Reuters

O Presidente Álvaro Colom considerou hoje um “crime contra a humanidade” o facto de, entre 1946 e 1948, médicos norte-americanos terem infectado deliberadamente 700 guatemaltecos com sífilis e gonorreia, a fim de efectuarem experiências sobre a penicilina.

Numa entrevista à BBC, Colom disse que os seus compatriotas - presos, doentes mentais e soldados - foram “vítimas do abuso dos direitos” humanos, ao serem deliberadamente infectados com doenças venéreas que podem causar problemas cardíacos, cegueira e até mesmo a morte.

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já apresentou desculpas por estas experiências, agora reveladas pela investigadora Susan Reverby, do Wellesley College, do Massachusetts, que descobriu relatos do sucedido nos arquivos do médico John C. Cutter, falecido em 2003.

Obama disse a Colom que as experiências efectuadas pelos cientistas norte-americanos durante a década de 1940 são contra os valores por que se rege a América do Norte. O Governo guatemalteco aceitou as desculpas, mas prometeu investigar o assunto mais a fundo.

Washington também vai investigar o facto de dinheiro dos contribuintes norte-americanos, colocado no orçamento dos Institutos Nacionais de Saúde, ter servido inclusive para que prostitutas infectadas com sífilis terem sido postas a dormir com presos, para que estes servissem de cobaias. E quando esse esquema não funcionava a bactéria era inoculada nos pénis, no rosto ou nos braços dos guatemaltecos. Depois, quando ficavam infectados, dava-se-lhes antibióticos, de modo a experimentar a eficácia dos mesmos.

Susan Reverbery afirma que o Governo guatemalteco do Presidente Juan José Arévalo, tido como um democrata e um nacionalista que esteve no poder de 1945 a 1951, dera autorização para que médicos norte-americanos do sistema federal de saúde procedessem às experiências que estão agora a ser alvo de grande condenação.

Um caso macabro

A Administração Obama ainda não se ofereceu para pagar qualquer indemnização por aquilo a que a imprensa da Guatemala já chama uma descoberta “macabra” e que teria mesmo afectado 1.500 pessoas, e não só as 700 de que ontem falavam as primeiras notícias.

Um porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, afirmou que tais notícias são “chocantes e trágicas”, tendo Álvaro Colom ordenado que se procurem na Guatemala arquivos referentes ao período de 1946 a 1948 e dito à CNN que ele próprio se encarregará de participar pessoalmente no apuramento de toda a verdade.

Susan Reverbery descobriu este episódio quando estava a estudar documentos sobre o caso Tuskegee, no qual se observou atentamente o desenvolvimento da sífilis em 400 afro-americanos do Alabama, ao qual não foi permitido qualquer acesso a tratamentos. Decorreu essa experiência entre 1932 e 1972, ao longo de quatro longas décadas, num estudo clínico do U.S. Public Health Service.

John C. Cuttler, em cujo espólio foi agora desvendado o mistério guatemalteco, trabalhava no Gabinete Sanitário Panamericano, precursor da Organização Panamericana de Saúde. E decidiu proceder a estudos sobre o efeito que teriam medicamentos contra a sífilis, a gonorreia e o cancróide, doença sexualmente transmissível. Mas fê-lo “ao estilo de um filme de ficção científica, pois que os objectos da investigação eram seres humanos”, conforme destacada hoje o “Prensa Libre”, o jornal de maior circulação na Guatemala.

Soldados, prostitutas, pessoas com doenças mentais e reclusos funcionaram como autênticos “porquinhos da Índia”, inclusive com a colaboração de alguns ministérios guatemaltecos, tendo-se passado tudo em quartéis, bordéis, penintenciárias e até mesmo num hospital neuropsiquiátrico da Cidade da Guatemala.

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