Chavistas com mais deputados no Parlamento mas com menos votos

Foto
Apoiantes do Presidente celebram após a divulgação dos resultados Carlos Garcia Rawlins/REUTERS

Ninguém esperava este resultado para uma Assembleia Nacional que, nos últimos cinco anos, quase só teve uma cor. Governo de Hugo Chávez será agora obrigado a dialogar

O primeiro boletim eleitoral apanhou a Venezuela de surpresa, às duas da manhã de ontem. Os chavistas ambicionavam conquistar 110 dos 165 lugares na Assembleia Nacional, o que lhes permitiria aprovar leis orgânicas sem necessidade de negociar. Nem nas suas previsões menos optimistas contaram ficar abaixo dos 99, número necessário para poder dar ao Presidente da República, Hugo Chávez, poderes excepcionais para governar.

Àquela hora, a aliança formada pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), pelo Partido Comunista e pela União Popular contavam 95 deputados. A Mesa da Unidade Democrática (MUD), que agrega 32 partidos da direita à esquerda, somava 61. E o Pátria Para Todos (PPT), aspirante a terceira via, dois. Os resultados finais haveriam de ficar nos 98-65-2.

"Foi uma longa jornada e obtivemos uma sólida vitória", escrevia Hugo Chávez, na sua conta de Twitter @chavezcandanga. "O suficiente para continuar a aprofundar o socialismo bolivariano e democrático."

Um tanto eufórica, a oposição exigia ao Conselho Nacional Eleitoral que divulgasse o números de votos de cada um dos blocos. Na mesma sintonia, diversos analistas questionavam: "Afinal, quem ganha as eleições?; Quem obtém mais votos ou quem obtém mais deputados?" Já durante o dia, jornais como El Universal pegavam nas listas de voto para anunciar que a MUD somara 5.448.864 votos válidos, a aliança PSUV, Partido Comunista e União Popular 5.259.998 e o PPT 330.260.

Chavistas têm de reflectir

"Já se esperava que a oposição tivesse mais votos e que o chavismo tivesse mais deputados", comenta Carlos Raul Hernández, professor de Ciência Política e Sociologia da Universidade Central da Venezuela. Graças à lei eleitoral aprovada no ano passado, o voto rural pesa mais do que o urbano. Esse desajuste favorece o chavismo. Só que as previsões mais optimistas dos contestatários do "socialismo do século XXI" ficavam-se pelos 60 deputados.

Chega ao fim um dos períodos mais marcantes da história recente da Venezuela. A oposição retirou-se em bloco nas legislativas de 2005. Nos últimos cinco anos, só houve uma oposição residual e vinda de dentro. O partido Podemos saiu da coligação em 2007, em discordância com a proposta de revisão constitucional que haveria de ser chumbada. O PPT saiu em 2010, ao acolher nas suas fileiras Henri Falcón, governador do estado de Lara, dissidente do PSUV.

"O PSUV tem de reflectir, perceber por que cresceram os sectores opositores", comenta Maria Pilar Hernández. "Alguma coisa se fez bem, porque se manteve a maioria, mas alguma coisa se fez mal, porque se perdeu eleitores." Parece-lhe cedo para dizer o quê, mas a jornalista, que é membro do comité de organização daquele partido, aponta para a insegurança galopante, que só no ano passado matou mais de 19 mil pessoas, e para a escassez de habitação. "Haverá uma nova dinâmica na Assembleia Nacional", observa a ex-vice-ministra de Relações Exteriores e ex-directora do canal estatal Venezuelana de Televisión. "Agora, temos de escutar os sectores opositores, que representam uma parte importante da população."

Carlos Raul Hernández não está tão optimista: "Haverá tensão, crise política. Chávez é um militar, um tenente-coronel, um revolucionário. Um revolucionário não negoceia com "imperialistas", "burgueses", "oligarcas", como ele designa os opositores. Julga ter sempre a razão e a moral do seu lado."

Os chavistas também alimentam receios. A própria Maria Pilar Hernández disse diversas vezes: "Os opositores vão para a Assembleia Nacional para derrubar Chávez. Pretendem criar um cenário semelhante ao das Honduras."

Sugerir correcção