A última revista republicana da monarquia

A Alma Nacional, revista fundada por António José de Almeida, que apelava a uma revolução "clemente", é agora relançada

O último número da revista Alma Nacional, fundada pelo médico e político republicano António José de Almeida (1866-1929) com o assumido propósito de apressar a queda do regime e fomentar a revolução, chegou às bancas a 29 de Setembro de 1910. O seguinte, a ter existido, teria saído uma semana depois, a 6 de Outubro. Mas a implantação da República, na véspera, retirara à publicação aquele que era o seu principal propósito. E o seu director, António José de Almeida, que fora um dos líderes da conspiração, era agora ministro do Interior do Governo Provisório da República. E viria a ser Presidente da República.

A edição fac-similada de Alma Nacional que as edições Paradela de Abreu acabam de publicar, e que será lançada amanhã, quando se cumprem cem anos sobre a saída do seu 34.º e último número, é um precioso documento para se perceber essa recta final da propaganda republicana e, em particular, a estratégia do seu sector mais moderado, que rapidamente virá a incompatibilizar-se com a ala radical de Afonso Costa.

A revista, de periodicidade semanal, foi lançada em Fevereiro de 1910, e custava 50 réis. O próprio António José de Almeida assinava o artigo de abertura do primeiro número e deixava claro ao que vinha: fomentar a revolta contra a monarquia. Os portugueses, escreve, "são morosos na insurreição, mas, no momento supremo, quando a medida se enche, não há dique que se oponha ao extravasar da sua cólera". A capa, desenhada por António Augusto Gonçalves, mostrava um homem de torso musculoso a tentar quebrar uma corrente de ferro que lhe prendia os pulsos.

Lendo os ataques demolidores ao governo e ao regime que a revista publicava em todos os números, e o modo como apelava às claras à insurreição, ainda que defendesse uma revolução "clemente", percebe-se bem que o seu director, logo nesse número inaugural, alertasse: "Hoje escrevo de cima de quatro tábuas de pinho numa sala que pomposamente se intitula redacção. Amanhã - quem sabe? - terei de escrever do cárcere ou do exílio." Mas o facto de a Alma Nacional ter prosseguido tranquilamente a sua caminhada, até ver cumprido o objectivo de derrubar o regime, também mostra que a retórica da revista contra os abusos ditatoriais dessa fase derradeira da monarquia constitucional eram, porventura, um tanto exagerados.

Se o apelo à mobilização revolucionária era uma das apostas claras da revista, bem como o ataque sistemático à Igreja, e em particular aos jesuítas, sobretudo protagonizado pelo livre-pensador Tomás da Fonseca, ela tinha outros méritos, desde a qualidade intelectual e literária assegurada por colaboradores como Guerra Junqueiro, Aquilino Ribeiro, Raul Proença, Basílio Teles ou Teófilo Braga, até ao seu evidente e sistemático esforço para apresentar propostas de reformas e políticas alternativas nos vários campos da governação.

Os homens que escreviam na Alma Nacional mostravam acreditar convictamente que a monarquia não duraria muito e que os republicanos tinham de estar preparados para governar a qualquer momento. E especialistas de diversas áreas assinam extensos artigos que, muitas vezes, se estendem ao longo de sucessivos números da revista. João de Freitas escreve sobre República e finanças, Leão Magno Azedo defende as virtudes dos sistemas eleitorais proporcionais e aponta os méritos e fragilidades de cada um dos métodos alternativos, incluindo o de Hondt, Estevão de Vasconcelos aponta prioridades em matéria de reformas sociais, Mário Gomes aborda a higiene pública, Aurélio da Costa Ferreira debruça-se sobre a política de instrução, João Gonçalves propõe uma reforma penal e medidas para atenuar a criminalidade juvenil, Agostinho de Lemos analisa a política naval e, para não prolongar os exemplos, António Ferrão escreve sobre o problema agrícola.

Mas a Alma Nacional não se resumia à política em sentido estrito. Aquilino Ribeiro assina um texto de seis páginas sobre a arte em Portugal, José de Lacerda aventura-se numa análise dos Painéis de S. Vicente, Manoel de Sousa Pinto redige artigos sobre arte e o psiquiatra Miguel Bombarda, tragicamente assassinado nas vésperas da implantação da República, aborda as relações entre religião e psicologia, defendendo que a crença no sobrenatural assenta no medo.

Significativos da aliança estratégica que, via Carbonária, se estava a forjar entre a elite republicana e o sindicalismo revolucionário são também os artigos, muitos deles assinados por A. Matos Silveira, que tratam de temas como o direito à greve ou a questão do registo civil.

Curiosamente, talvez o número politicamente mais anódino da revista seja precisamente o último, no qual sobressai apenas um texto mais combativo do maçónico José António Almeida atacando a recusa de amnistia para os implicados em associações secretas. Não admira. O golpe de 5 de Outubro já estava em andamento e não valia a pena levantar ondas. A Alma Nacional foi lançada

em Fevereiro de 1910 (em cima à direita)

e o último número foi para as bancas a 29 de Setembro desse ano. Guerra Junqueiro, Aquilino Ribeiro, Raul Proença

e Miguel Bombarda foram

alguns dos colaboradores.

Ao lado, uma

caricatura publicada

na revista

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