Máquinas de jogar à bola

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A RoboCup, que este ano decorreu em Singapura, é o campeonato do mundo de futebol em versão robô Adriano Miranda

Estes robôs pouco têm a ver com os dos filmes de ficção científica. Mas marcam golos. A equipa de robôs do Instituto de Engenharia Electrónica e Telemática de Aveiro joga há sete anos e tem um historial de vitórias, tanto em competições nacionais como internacionais. Foi campeã do mundo em 2008 e em 2009 ficou em terceiro lugar, proeza que repetiu este ano. Ainda assim, só há pouco tempo é que os jogadores aprenderam a fazer passes rasteiros.

"Somos a equipa que melhor faz passes", garante o investigador Bernardo Cunha, enquanto os robôs demonstram habilidades com a bola, num pequeno campo de treinos, abafado e sem janelas, escondido num parque de estacionamento subterrâneo no campus da Universidade de Aveiro. Trocar a bola com colegas de equipa, porém, não foi suficiente para conquistar o campeonato mundial. Nesta edição, o primeiro lugar foi para a equipa chinesa e o segundo, para a Holanda.

A RoboCup, que este ano decorreu em Singapura, é o campeonato do mundo de futebol em versão robô, embora também inclua outro tipo de provas. A equipa da Universidade de Aveiro chama-se CAMBADA (o meio académico tem uma grande predilecção por acrónimos e este é o acrónimo de Cooperative Autonomous Mobile roBots with Advanced Distribution Architecture).

Os CAMBADA participam na modalidade de futebolistas médios: os jogadores podem ter um peso máximo de 40 quilos, e não podem ultrapassar os 80 centímetros de altura e 50 centímetros de largura e profundidade.

Os jogos decorrem num campo de 18 metros de comprimento por 12 de largura (um campo de futebol humano tem 120 metros por 90) e colocam frente a frente duas equipas de cinco elementos, um dos quais é o guarda-redes, que pode usar algum equipamento adicional, para o tornar maior e ter mais hipóteses de interceptar a bola.

Cada partida é arbitrada por um humano. Ao apito do árbitro, e se tudo estiver a funcionar correctamente, os jogadores em campo param automaticamente. As regras têm algumas especificidades para tornarem possível o jogo entre máquinas completamente autónomas - mas, no essencial, é um jogo de futebol, com remates, defesas, faltas e livres incluídos.

Caixotes com rodas

No site da RoboCup, é possível ver vídeos de jogos entre robôs humanóides. Não é um grande espectáculo. Os robôs são muito lentos, avançam em pequenos passos, caem com frequência sozinhos (e só algumas vezes se conseguem levantar) e estão vários minutos sem sequer conseguir fazer com que a bola saia do meio-campo. É como pôr a jogar futebol crianças que mal aprenderam a caminhar.

Ver robôs como os do projecto CAMBADA em campo é um espectáculo diferente. É certo que não há grandes fintas e uma desmarcação de um jogador já é motivo de orgulho para os investigadores. Mas estas máquinas não são antropomórficas e assemelham-se mais a caixotes com rodas - o que, podendo desiludir os fãs da ficção científica, permite um futebol muito mais eficaz.

Os CAMBADA têm uma base larga, com três rodas omnidireccionais, o que lhes permite girar sobre si próprios e moverem-se em qualquer direcção. Atingem uma velocidade de 1,8 metros por segundo (Cristiano Ronaldo, por comparação, já registou 33,6 quilómetros por hora em campo, o que significa pouco mais de nove metros por segundo). Não são muito rápidos, admitem António José Neves, Bernardo Cunha e Nuno Lau, os três investigadores com quem o P2 conversou. "Reconhecemos que precisamos de mais velocidade. Mas o custo de alterar a velocidade é significativo". E estas já não são máquinas baratas: mesmo sem contabilizar a mão-de-obra, cada jogador custa cerca de 40 mil euros em material.

Na frente de cada máquina, uma espécie de rolo assenta na superfície da bola (para ajudar no drible e nas mudanças de direcção), e um dispositivo de chuto permite fazer passes ou rematar, pelo chão ou pelo ar. Em cima da base, um computador portátil, fechado e firmemente preso, funciona como o cérebro do jogador. E assente numa estrutura que parece uma antena está a câmara, através da qual os robôs "vêem".

Esta câmara, porém, não é o único dispositivo de orientação. As máquinas estão equipadas com um sistema que calcula os movimentos feitos desde o início do jogo para poder determinar a respectiva posição (como alguém que contasse os passos e a direcção em que se moveu) e a equipa também recorre a bússolas electrónicas.

Tudo o que os robôs fazem em campo é autónomo, sem qualquer instrução humana. As máquinas estão programadas para identificar a bola e introduzi-la na baliza adversária, seja através de um remate ou de um passe para um colega de equipa mais bem colocado. Caso a posse de bola esteja com os adversários, os robôs assumem uma postura defensiva e tentam interceptar "o esférico". Aos investigadores cabe decidir a táctica (que pode variar consoante o adversário), mas, dado o apito inicial, o único treinador é um computador, ao qual todos os robôs estão ligados. É a este "treinador" que cada robô comunica informação sobre o seu próprio posicionamento em campo, para que estes dados possam ser partilhados com o resto da equipa.

Apesar de toda a tecnologia, é possível que um robô fique desorientado, perdido a um canto ou que simplesmente deixe de saber qual é a sua baliza - e acabe a marcar autogolos.

Ganhar aos humanos

A RoboCup não é apenas uma competição de futebol. O objectivo é fomentar a investigação científica na área: os investigadores tendem a partilhar os respectivos avanços e não é incomum as equipas usarem tecnologia desenvolvida por outras. Em Portugal, as Universidades do Minho, Porto e Coimbra e o Instituto Superior Técnico, em Lisboa, têm equipas que já disputaram partidas na RoboCup.

"Escolheu-se o futebol porque é um problema interessante e porque facilmente pode atrair pessoas, nomeadamente de fora da robótica, e inclusivamente patrocinadores", explica Bernardo Cunha. Mas a tecnologia destes robôs desenvolvidos para jogar futebol poderá ser usada para outro tipo de tarefas - basicamente, todas aquelas em que seja útil ter máquinas capazes de se coordenarem e funcionarem autonomamente.

Por exemplo, vigilância de incêndios e operações de salvamento em locais para onde seja demasiado arriscado (ou, simplesmente, demasiado caro) enviar pessoas. E, inevitavelmente, é o tipo de tecnologia que pode ser usada em ambiente militar.

Há, porém, um outro objectivo da RoboCup, este directamente relacionado com o desporto: conseguir que, em 2050, uma equipa de robôs seja capaz de ganhar à equipa vencedora do campeonato mundial de futebol. Olhando para os actuais jogos entre máquinas, a meta parece ficção científica. Mas os responsáveis pelo CAMBADA são unânimes em considerar que o objectivo é perfeitamente possível. E, para sustentar a afirmação, dão o exemplo do computador Deep Blue, que em 1997 (e à segunda tentativa) derrotou Garry Kasparov. Afinal, quando os primeiros computadores foram inventados e ocupavam salas inteiras, ninguém imaginaria que acabariam por vencer um génio do xadrez. Aconteceu. Mas Kasparov acusou os cientistas que criaram o computador de terem feito batota - e a situação nunca foi completamente esclarecida.

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