Torne-se perito

Tribunal de Trabalho com salas só para 10 pessoas

Foto
O ano passado o número de processos pendentes era superior a 15 mil ADRIANO MIRANDA

Ao Conselho Superior da Magistratura importa mais a quantidade do que a qualidade da Justiça, considera Garcia Pereira

No Tribunal de Trabalho de Lisboa as instruções do painel de segurança permanecem, desde a sua inauguração, em 2007, escritas em... alemão. A segunda sala de audiências de cada juízo é tão pequena que não comporta sequer uma dezena de pessoas. Quase que não existe insonorização entre duas salas, o que torna praticamente impossível a realização simultânea de duas audiências no mesmo juízo e já levou à suspensão dos trabalhos. Tudo isto é denunciado pelo advogado Garcia Pereira, numa carta aberta enviada em meados deste mês ao Conselho Superior da Magistratura (CSM). Uma carta em que salienta também a falta de funcionários neste mesmo tribunal e refere a "formação pouco adequada" dos poucos existentes, classificando a actual situação "muito para além do ponto de ruptura".

É nestas condições que trabalham os juízes do Tribunal de Trabalho, salienta este advogado, manifestando a sua indignação quanto ao facto de o Conselho Superior da Magistratura (CSM) desvalorizar estes aspectos quando aplicou processos disciplinares a oito magistrados deste tribunal, em Julho passado, por atrasos nos julgamentos e nalgumas diligências.

Garcia Pereira nota que estes magistrados têm em mãos questões de "maior complexidade, quer fáctica, quer técnico jurídica", comparativamente a outro tipo de processos e que a sua capacidade de resposta diminuiu desde que o Governo decidiu extinguir a 3.ª secção dos cinco juízos do Tribunal de Trabalho, "amputando o mesmo de um terço da sua capacidade de resposta", lançando centenas de processos "para cima dos juízes e dos funcionários da 1.ª e da 2.ª secções" (no ano passado, segundo os dados disponíveis, o número de processos pendentes neste tribunal ascendia a 15 mil, metade dos quais urgentes). O resultado foi a acumulação dos processos e o aumento da sua duração. Se, até à redução dos juízos, cada processo demorava cerca de um ano a resolver, com a mudança, a sua duração passou para dois e até três anos, afirma Garcia Pereira.

CSM desdramatiza

Em resposta ao PÚBLICO, José Manuel Mateus Cardoso, chefe de gabinete do vice-presidente do CSM, assegura que o Tribunal de Trabalho de Lisboa "não se encontra em situação de ruptura", indicando mesmo as estatísticas que apontam para "alguma recuperação desde Abril passado".

A punição dos oito juízes cujos motivos o CSM disse, em resposta ao PÚBLICO, não poder revelar, atendendo à "natureza confidencial" do processo disciplinar, é criticada por Garcia Pereira na carta aberta que divulgou junto do ministro e do secretário de Estado da Justiça. No entender daquele advogado, a "preocupação da "celeridade processual" a todo o transe" manifestada pelos responsáveis políticos acabou "por se traduzir no privilegiar das questões da quantidade e da estatística, em detrimento das questões da qualidade e da efectiva realização da Justiça completa", escreve Garcia Pereira. "O que passa a importar é, acima de tudo, "despachar processos". Então, é evidente que se tenderá a identificar (erradamente) a capacidade de realizar boa Justiça com a capacidade de "matar pendências"".

No que respeita concretamente aos processos disciplinares aos magistrados, Garcia Pereira protesta contra o facto de que o "denunciante" ao Conselho Superior da Magistratura das alegadas infracções disciplinares "possa agora ser igualmente o instrutor dos processos" a que deu origem a sua queixa, o que classifica de "completamente irrazoável, para não dizer contrário aos mais basilares princípios civilizacionais". A mesma opinião não tem o CSM, que garante não existir "qualquer incompatibilidade" pelo facto de o inspector que "averiguou e detectou os factos indiciariamente de natureza disciplinar ser o instrutor do processo disciplinar, situação que ocorre frequentemente".

Na mesma exposição, Garcia Pereira aproveita para caracterizar algumas das ilegalidades mais comuns cometidas no campo das relações laborais e, em declarações ao PÚBLICO, afirma que "a jurisdição laboral é um escândalo".

A utilização "fraudulenta de contratos de prestação de serviços para encobrir relações de verdadeiro trabalho subordinado" verifica-se, hoje, em Portugal "de forma tão generalizada quanto (cada vez mais) impune", escreve. A esta irregularidade junta-se "o uso fraudulento e, logo, ilícito da contratação a termo, certo ou incerto, para preencher postos de trabalho mais do que permanentes". A não-remuneração "de milhares e milhares de horas, efectivamente prestadas, de trabalho suplementar", a "habilidade fraudulenta de "partir" aquilo que verdadeiramente é a remuneração de base dos trabalhadores em várias "fatias", apenas se designando uma delas por "vencimento-base" e as restantes por eufemismos como os de "complemento de remuneração", subsídio de disponibilidade e desempenho", diferencial absorvível, etc. como forma de baixar as compensações de antiguidade devidas ao trabalhador", os processos chamados "de extinção de postos de trabalho" são alguns dos exemplos apontados por Garcia Pereira no "retrato" que faz das relações laborais existentes na sociedade portuguesa actual e que está agora nas mãos do ministro da Justiça.

Sugerir correcção