Preço da energia desceu com a crise no mercado mas vai voltar a subir

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Mrosik lembra que com contadores inteligentes as pessoas têm mais percepção do que consomem Foto: Enric Vives-Rubio

O carro eléctrico vai comandar uma parte importante do desenvolvimento das redes eléctricas inteligentes, explica Jan Mrosik, um dos principais responsáveis por esta área dentro do grupo Siemens AG.

Avisa que os EUA, e não a Europa, estão a adiantar-se no "trabalho de casa", já com contratos equivalentes a 24 GWh e lembra que os contadores inteligentes, polémicos em Portugal, são um equipamento básico nesta mudança.

O Governo português quer ter 10 por cento do parque automóvel, em 2020, movido a electricidade. A Agência Internacional de Energia prevê que nesse ano se vendam sete milhões destes veículos pelo mundo, quando o parque automóvel actual global é de 850 milhões de unidades. Do que conhece do projecto português, considera que é ambicioso?

Temos de nos colocar a nós próprios objectivos ambiciosos, caso contrário não iremos a sítio algum. Os princípios fundamentais para a introdução do carro eléctrico estão claros: por um lado, temos as renováveis, do outro, temos problemas em armazenar a energia eléctrica. Uma maneira elegante de lidar com as energias renováveis é introduzir o carro eléctrico. É provavelmente o melhor meio de armazenar energia e usá-la de maneira que podemos cumprir as metas de redução do CO2. Portanto, há uma estratégia clara em direcção aos carros eléctricos, porque faz sentido do ponto de vista económico, do ponto de vista da introdução das energias renováveis e do ponto de vista da redução do CO2.


Se olharmos para outros países, como a China, em que já muitos usam as bicicletas eléctricas - vão para o trabalho de manhã e fazem 40 km e mais 40 km ao fim do dia. São bicicletas e motores baratos por toda a parte. Há já uma grande tendência para a mobilidade eléctrica e não há razão para não acontecer noutros países.

Do que conhece do projecto português de mobilidade eléctrica, o que tem a comentar?

É um importante primeiro passo para fazer com que tudo isto ande. Há uma série de iniciativas na UE e é preciso começar por algum lado e este é um passo perfeito.


Olhando para os países europeus, como vê os projectos que estão em curso?

O desenvolvimento está a acontecer e os grandes fornecedores de carros estão a colocar muita ênfase nisto. É muito interessante, para a minha área, ver projectos-piloto com a interacção entre os carros e as redes eléctricas, porque na verdade o que faz sentido é olhar para toda a cadeia de valor desde a geração de energia até ao consumo. Um desses projectos está a fazer-se na ilha dinamarquesa de Bornholm, com base no princípio da auto-suficiência e da sustentabilidade. Vão erguer os seus parques de energias renováveis, vão gerir o consumo e os carros eléctricos, de modo a que geração e consumo sejam sempre equilibrados. É o princípio das redes inteligentes, juntar os dois: o consumo de um lado, e os carros eléctricos serem uma grande parte deste consumo, e a geração, do outro. É por isso que as redes inteligentes ficam no meio, e conseguir que a geração e o consumo falem entre si.


Diz que há vontade política em desenvolver o carro eléctrico e que a tecnologia está disponível. O que falta?

Há um terceiro factor, que é o quadro legal. Tem de haver um regime de leis e regulamentos que apoie estas tecnologias, reduzindo as emissões de CO2, usando as energias renováveis até ao maior limite possível, e fazendo uma gestão mais eficiente das redes existentes para minimizar a instalação de capacidade adicional - e a eventual reacção social contra ela, devido às novas linhas. É isto que as novas tecnologias fornecem.


E o poder político está a acompanhar essas necessidades de que fala?

Certamente que ajudaria ter um quadro mais claro das condições de apoio à introdução destas tecnologias. Uma das áreas em que isso não está a acontecer é, por exemplo, na instalação de contadores inteligentes. Nos EUA, há uma forte substituição de contadores para a geração inteligente, o que não está a acontecer na Europa, com excepção de Itália. Com contadores inteligentes, as pessoas têm mais informação e percepção do que consomem. Podem ser incentivadas a essa mudança, através de diferentes esquemas tarifários para usar a energia quando há em excesso e reduzir o consumo quando há menos disponível. Por exemplo, usar mais durante a noite e menos no dia, quando temos picos de consumo. Isto conduzirá, em média, a poupanças de cerca de 20 por cento nas casas, porque as pessoas têm mais consciência do que estão a consumir em termos de electricidade que pagam e são incentivadas com tarifas mais baixas e com isso apenas alteram o seu comportamento.


Do ponto de vista do consumidor, prometem-nos mais eficiência, mais poupança de consumo, mas depois o que vemos é que pagamos mais.

Tudo depende do modo como o negócio evolui. De um lado, tem de haver investimento na chamada tecnologia inteligente, por outro, se se investe nisso, evita-se a instalação de mais centrais para serem usadas em período de ponta de procura e que são sempre investimentos muito caros e ineficientes. Para evitar este investimento, este custo, é preciso investir no uso mais inteligente das redes. A automação é um investimento que supõe um retorno. De outro modo, não tem sentido económico. Quanto à contagem inteligente, medir a energia consumida é apenas um aspecto do seu funcionamento. O contador inteligente deve ser os olhos da utility na rede de distribuição e ver coisas que hoje não são visíveis na maior parte do mundo. Ajuda-nos a perceber o estado da rede, a capacidade de carga, a identificar o tipo e o local dos problemas e a resolvê-los muito mais rapidamente, o que é muito importante com o crescimento da produção descentralizada. São diferentes maneiras de trazer eficiência à rede.


Desastres ambientais como o derramamento de crude no golfo do México ajudam a antecipar este futuro?

Ajuda a ficar mais claro para a sociedade de que há um fim para as energias fósseis. Na Siemens, acreditamos na electrificação das sociedades. O que está sempre disponível? As energias renováveis, a fóssil não e, por isso, é que os preços vão subir. Desceram com a crise, mas foi temporário.


A mobilidade eléctrica far-se-á com renováveis ou precisará também do nuclear?

O mundo não é a preto e branco. No futuro mais ou menos próximo, continuaremos a ter um misto de fóssil, nuclear e renováveis. Iniciativas como o Desertec são uma visão do que pode acontecer e que levará ao aumento da fatia das renováveis. Julgamos que é um projecto exequível, mas falta juntar todas as vontades políticas e o poder de todas as partes envolvidas, sobretudo devido à complexidade de transporte por mais de dois mil a três mil quilómetros [pelo deserto do Norte de África até chegar ao Centro da Europa] e às perdas de energia.


A ideia de o carro eléctrico servir como armazém de energia para devolver à rede é realista dentro de quantos anos?

Os ciclos de carregamento das baterias têm de melhorar. Tanto quanto me parece, está-se no bom caminho e, se for esse o caso, teremos muitos carros eléctricos. Da perspectiva das tecnologias de informação, é possível gerir o descarregamento/transferência de carga das baterias para ser usada nos períodos de pico de consumo. Isto significa que se vai pôr diferentes pequenos modos de geração de energia, a que chamamos centrais eléctricas virtuais. Ao integrarmos fontes descentralizadas, com mini-hídricas, pequenas centrais solares e talvez baterias no futuro, na perspectiva das tecnologias de informação, actuam como se fossem uma central eléctrica. As centrais virtuais em conexão com os carros eléctricos podem ser uma poderosa ferramenta para fornecer energia para as horas de pico sempre que necessário.


Portanto, temos de esperar mais uns anos?

Sim, não é uma coisa para amanhã. Primeiro, é preciso que a tecnologia do carro eléctrico esteja disponível e, importante, o modelo de negócio tem de ser desenvolvido, porque tem de fazer sentido para quem for dono de um carro eléctrico.


Para si, quais são os novos negócios que vão nascer com este futuro eléctrico?

Uma coisa já clara é que a mobilidade vai mudar completamente. Os sistemas de transporte vão mudar e para as utilities muitos desafios virão. Vão enfrentar desafios que estarão próximos do que a indústria de comunicações enfrentou quando o telemóvel foi inventado. Haverá novos actores em jogo. Já os vemos nos EUA. São os chamados "fornecedores de serviços de resposta à procura". São companhias que têm contratos com a indústria ou com particulares e lidam com megawatts e negawatts [não consumidos]. Se há energia disponível, encorajam os consumidores a ligar o consumo em casa ou então o contrário. Nos EUA, uma família gasta mais de quatro vezes a energia consumida por uma família do centro da Europa. Estes fornecedores de serviços ganham dinheiro vendendo energia consumida ou energia não- consumida. São novos modelos de negócio já em prática nos EUA e que hão-de chegar à Europa.


A Siemens está a pensar em entrar no negócio das baterias?

As baterias estão a ser parte cada vez mais importante de muitos sistemas e é um elemento-chave dos carros eléctricos. É algo que qualquer companhia terá em consideração e pensar não é proibido.


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