Opinião: Comunicado do Benfica mistura alhos com bugalhos

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Luís Filipe Vieira Foto: David Clifford (arquivo)

O que poderá justificar o extenso e violento comunicado saído do plenário dos órgãos sociais do Benfica, em que só faltou ao campeão nacional queixar-se de estar a ser lesado pelo buraco do ozono?

O Benfica sentiu-se legitimamente prejudicado pela arbitragem de Olegário Benquerença em Guimarães. Disso deram conta, logo após o jogo em Guimarães, o treinador Jorge Jesus, o director desportivo Rui Costa e o presidente Luís Filipe Vieira. Cada um à sua maneira, expressaram a indignação de quem já tinha tido alguma razão de queixa em jornadas anteriores. A generalidade da crítica deu-lhes razão. O que poderá então justificar o extenso e violento comunicado saído do plenário dos órgãos sociais do Benfica, em que só faltou ao campeão nacional queixar-se de estar a ser lesado pelo buraco do ozono?

Conforme os quadrantes e as cabeças pensantes, as leituras foram múltiplas e diversas. As mais maledicentes falaram na intenção de recuperar o controlo do sector da arbitragem, numa cortina de fumo para tentar disfarçar a má prestação da equipa (que é indesmentível e tem sido, de resto, assumida pelo próprio Jesus) e numa estratégia que não visa mudar nada de substantivo, antes chantagear o poder decisório e criar condições para o regresso rápido ao sucesso desportivo, a começar já este fim-de-semana, frente ao Sporting - que, entretanto, já sentiu o perigo e reagiu. As mais laudatórias defendem tratar-se de uma guerra mais do que justificada, até por questionar e encostar à parede alguns poderes malévolos que, dizem, estão instituídos há muito e continuam a corroer o futebol português. Para esses, os erros de arbitragem em Guimarães foram a gota de água que fez transbordar o copo cheio. Porque, insistem, o Benfica é prejudicado dentro e fora do campo.

Não é por acaso que os mais próximos da primeira tese têm estado claramente em maioria. De facto, a dramatização de um comunicado em que se dispara em todas as direcções não foi suficientemente sustentada na razoabilidade e na factualidade. Mais do que isso, parte da argumentação é apresentada com excessiva ligeireza e sem a menor conexão entre si. A menos que se acredite na existência de um estranho complot contra o Benfica formado por entidades tão dissonantes como são Laurentino Dias, Vítor Pereira ou Joaquim Oliveira, o documento resulta numa salgalhada em que são misturados alhos e bugalhos. Como se a arbitragem de Olegário Benquerença tivesse funcionado apenas como uma oportunidade há muito esperada para abordar temas tabu e sobre os quais, noutras circunstâncias, não haveria coragem ou ocasião propícia para os atacar.

O extenso comunicado só por uma vez refere o nome de Olegário Benquerença e são gastas poucas linhas com os erros de arbitragem do árbitro de Leiria. O Benfica podia ter recuado seis anos no tempo e lembrado uma partida com o FC Porto, na Luz, em que perdeu num jogo em que lhe terá sido mal anulado um golo e deixado por marcar um penálti sobre Karadas. Daí para cá, uma ou outra situação podia também ter sido acrescentada. Não foram enumeradas provavelmente porque o Benfica sabe que logo alguém iria também lembrar que a equipa da Luz já foi beneficiada por Benquerença, designadamente num confronto recente com o Nacional. Ou seja, o Benfica sabe (como quase toda a gente, menos quem aposta nele e o nomeia) que Benquerença não erra por estar a ser comandado ou influenciado por quem quer que seja, antes porque não é suficientemente capaz e competente.

O comunicado sublinha que a "falta de credibilidade que está a atingir a arbitragem enfraquece o futebol" e cita o presidente da UEFA, Michel Platini, quando este disse que "os árbitros incompetentes devem ser varridos do futebol". Opiniões certeiras e razoáveis, sendo, no entanto, evidente que as coisas estão melhor hoje em Portugal do que estavam há uma década - como os responsáveis benfiquistas defenderam durante a época passada. O nível médio continua a ser baixo, mas melhorou uns furos e há agora um lote de três ou quatro juízes de boa qualidade como eventualmente nunca existiu. O problema principal tem estado nos critérios da nomeação. E, aí, justificam-se algumas das críticas dirigidas a Vítor Pereira, que tinha também a obrigação de perceber que, por uma questão de bom senso, não devia ter escolhido Olegário poucos dias depois deste ter sido homenageado pela Associação de Futebol do Porto, por mais atendíveis e justificadas que sejam as motivações de quem lhe fez o tributo.

Menos razoável parece a restante argumentação do comunicado. Defender que, face à adulteração da verdade desportiva, os adeptos do Benfica se devem obstar de se deslocar aos jogos fora de casa, é um disparate pegado. Então, nos jogos da Luz já não há o perigo de os mesmos sócios se sentirem "lesados económica e emocionalmente"? O Benfica sabe que, por arrastar muitos adeptos, funciona para uma boa parte dos clubes como uma espécie de "abono de família". Ameaçar retirar-lhe essas receitas de bilheteira é uma posição de moralidade mais do que discutível.

A suspensão das negociações com a Olivedesportos relativas aos direitos televisivos pode ter algo a ver com o facto de o Benfica se sentir prejudicado com o tratamento jornalístico que a SportTV lhe dedica. Mas, não sejamos ingénuos, tem principalmente a ver com uma estratégia que visa inflacionar em muito as verbas em causa. O actual contrato termina em 2013, mas a empresa de Joaquim Oliveira tem direito de preferência para as três épocas seguintes. Por isso, e pelos diversos interesses cruzados (o empresário é também accionista da PT), é mais do que duvidoso que as duas partes não acabem por se entender. No fundo, é tudo uma questão de mais ou menos dinheiro.

Ainda mais discutível é a ameaça de não participar na presente Taça da Liga. Para dificultar a vida à direcção de Fernando Gomes que, ainda recentemente, foi apoiada e eleita com os votos do Benfica? Não faz sentido. E menos sentido faz ainda incluir esta reacção em protesto contra os erros de arbitragem, porque ainda está na memória de todos a forma como a equipa da Luz venceu a penúltima edição da prova frente ao Sporting.

O pedido de audiência ao ministro da Administração Interna para debater a violência de que o Benfica se queixa cada vez que se desloca ao Porto é um assunto demasiado sério. E que não devia ser usado como arma de arremesso. O autocarro do Benfica voltou a ser apedrejado há uma semana, mas os responsáveis benfiquistas sabem que situações idênticas ocorrem quando o FC Porto se desloca a Lisboa. O problema é que é impossível exigir à polícia que controle todos os energúmenos. Por isso, melhor fora que os responsáveis benfiquistas e portistas percebessem, de uma vez por todas, que o ambiente de permanente guerrilha verbal que mantêm não ajuda nada à situação. É tudo, também aqui, uma questão de bom senso.

Por último, o Benfica declarou ainda o secretário de Estado como "persona non grata". Mas ninguém se lembra das declarações desrespeitosas supostamente dirigidas ao Benfica por Laurentino Dias. E este até esteve bem (ao contrário do que aconteceu quando se envolveu no processo de despedimento de Carlos Queiroz...) quando respondeu que o poder executivo não pode nem deve intrometer-se em questões judiciais, isto a propósito do Apito Dourado.

Mas teve razão e oportunidade o Benfica quando recordou a incapacidade do governante em fazer cumprir a lei no que respeita à adequação dos estatutos da federação. É inadmissível que Laurentino Dias continue sem retaliar verdadeiramente, recorrendo a todos os expedientes legais possíveis. Porque, neste caso, não corre o risco de estar a meter-se onde não deve. Ninguém pode garantir que a arbitragem e a disciplina, em primeira instância, vão melhorar quando saírem do âmbito da Liga. Mas não se perde nada em tentar.

bprata@publico.pt
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