Wavves Não era incrível tomar o mundo de assalto?

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Não é novidade que o indie americano está fascinado com o sol e com memórias de infância. Os Wavves de Nathan Williams, são esse espírito e a sua subversão

A figura de culto a caminho de estrela está a dar uma entrevista e não está feliz. "Porra, estou a ser atropelado neste jogo. É embaraçoso". A esperança do rock'n'roll está a levar 5-0 num jogo de futebol de consola e irrita-se com o jornalista. "Fizeste-me perder. Não gosto isso." Naturalmente, do outro lado, o jornalista canadiano de uma "webzine" de Vancouver, Straight.com, não percebe se ele está a falar a sério. Ele que se chama Nathan Williams e que é o vocalista e guitarrista fundador dos Wavves, a banda que, como escrevia no ano passado o site "Pitchfork", "abraça erva, nostalgia, a criação musical e a vida ao ar livre como escape ideal para o aborrecimento dos vintes e um mercado de trabalho em depressão".

Não falámos com o jornalista, mas imaginamos o que lhe terá passado pela cabeça: "É esta a grande esperança do rock'n'roll?" Não, Nathan Williams não é a grande esperança de coisa nenhuma - não há grandes esperanças em coisa nenhuma, muito menos no rock'n'roll, em 2010. Mas sim, os Wavves que acabam de editar "King Of The Beach", álbum de 12 canções que explodem no nosso coração juvenil (real ou metafórico) como granada de guitarras distorcidas e refrões gloriosos, pertencem àquela categoria rara de bandas que nos fazem acreditar que é bom estar vivo aqui e agora (depois, a lucidez até pode descer sobre nós, mas é tarde de mais, já estamos contaminados).

Que o universo "indie" americano anda fascinado com o sol e com memórias de infância já não é novidade para ninguém. Mas os Wavves, cujo novo álbum se intitula "King Of The Beach" (repetimos para acentuar a ideia) e que adoram recordar a cultura pop de década de 90, são como que uma subversão desse espírito. Só vale a pena olhar para trás para rir no presente. E o presente só vale a pena porque ainda não se inventou forma de lhe fugir. Ou melhor: existe essa maravilha chamada rock'n'roll e, nela, tudo é sublimado e todos os falhanços podem ser inspiradores. É por aí que se começa a desvendar a grandeza dos Wavves, estes Wavves liderados por um tipo que leva tareias em futebol de consola enquanto promove à imprensa o álbum mais importante dos seus 25 anos de vida.

Nathan Williams, que agora tem consigo o baterista Billy Hayes e o baixista Stephen Pope, a antiga secção rítmica do tragicamente falecido Jay Reatard, é um mui interessante projecto de Kurt Cobain, no sentido em que também ele parece berrar "here we are now, entertain us" (ainda que despido de fúria ou angústia). Em concerto recente, apresentou o tema título do seu novo álbum: "Esta é a canção mais aborrecida no nosso estúpido novo disco". E como reagiu o povo? Com euforia, claro. Abrindo o mosh-pit e saltando tudo o que havia para saltar. A "aborrecida estupidez" era deles também. E é estupidamente libertadora.

O novo "Nevermind"?

Há um ano, Nathan vivia em casa dos pais, em San Diego. Acordava pela uma da tarde, descia até à piscina, acendia um charro, via o tempo a passar. Também via televisão em doses industriais e jogava mais ainda na consola. Depois enfiava-se na garagem, pegava na guitarra, ligava o laptop e gravava canções sobre aborrecimento, sobre erva, sobre góticas aborrecidas e sobre extraterrestres com predilecção por erva. Nessa altura, os Wavves eram apenas Nathan Williams, o autor de "Wavvves", disco de canções punk roufenhas que o transformou, ao lado de uns No Age ou de uns Times New Viking, em herói da vaga lo-fi e, mais do que isso, em representante máximo da alienação "no future" dos anos 00 - os títulos das suas canções mais célebres não deixam dúvidas: "No hope kids" e "So bored".

Agora estamos em 2010 e Nathan Williams vive em Los Angeles com a namorada Bethany Consentino, vocalista dos Best Coast, e um gato chamado Snacks que, por ilustrar as capas dos álbuns de ambos (em versão real, no dela, e em desenho, no dele), se está a transformar numa mini estrela "indie". Uma jornalista do "New York Times" pergunta-lhe (a Nathan, não ao gato) se gosta de música "stoner", o rock inspirado nas "jams" psicadélicas da década de 1970, e ele, na casa em Los Angeles, ri-se para os amigos: "Ei, ela acha que ouvimos música ‘stoner'. Pergunto-me se será porque acordo e fumo erva antes de lavar os dentes". Um outro jornalista, do "LA Weekly", cita a letra de "Idiot" ("I'm not supposed to be a kid

But I'm an idiot / I'd say I'm sorry / But that wouldn't mean shit"), e pergunta-lhe: "Tem um problema de auto-estima?" Antes da resposta, ouviu-se um sonoro "sim!" saído do quarto - era Consentino que respondia por ele, o que faz sentido. Beth é a rapariga cantando amores adolescentes solares, com toda a inocência possível. Nathan é o rapaz que nunca cantaria um amor solar com toda a inocência possível. Ela canta para ele. Ele é o "Idiot" que não consegue cantar para ela: "I'd say I'm sorry / But that wouldn't mean shit".

O criador dos Wavves vem-se referindo a "King Of The Beach" como o seu "Nevermind" - esse mesmo, o álbum dos Nirvana que dinamitou os alicerces da cena musical de 90 -, o que pode parecer estranho. É que, aparentemente, nada mudou. Continua a acordar à uma da tarde, continua a ver televisão em doses industriais e a jogar consola non-stop. Em "Wavvves", o seu segundo álbum, cantava "No hope kids", canção-hino da sua primeira vida, e transformava lamento em descarga sónica inspiradora - que não tinha carro, que não tinha trabalho, que não tinha namorada, mas queríamos lá saber disso quando tinha aquelas canções para oferecer. No novo álbum, canta que se detesta a si mesmo e que detesta a música que faz, "cause it's all the same". Mas não se fica por aí. Pode continuar aborrecido, mas há-de transformar o tédio em algo glorioso: "to take on the world would be something", ouvimos uma e duas e três vezes no final de "Take on the world". E sim, é algo glorioso. Música onde se cruzam guitarras distorcidas com harmonias vocais sonhadoras, música que aplica a corrosão dos Nirvana de "Bleach" ou "Incesticide" a melodias pop irrepreensíveis, música onde o tédio hedonista da década de 90, o de Green Day ou dos Weezer, surge amalgamado por uma cabeça com sons mais interessantes (e, por isso, surgem citações aos Animal Collective ou psicadelismos pop à Elephant 6). O som é mais produzido que anteriormente e lo-fi torna-se termo não aplicável. Mas mantém-se o sentido de urgência e uma certa sensação de "zeitgeist" em todo este nervo e em toda esta energia.

Quando lhe perguntaram se falava a sério quando classificou "King Of The Beach" como o seu "Nevermind", Williams foi seriíssimo: "Um pouquito a sério, como que meio sério, uma cena assim." Quando apontaram que a resposta poderia deixar dúvidas - não pela resposta em si, entenda-se, mas porque "a imprensa nunca parece compreender se estás a gozar ou não" -, chegou o momento em que Nathan explicou o óbvio. Foi realmente sério: "[Fiz a comparação] no sentido de [este ser] um disco com bom som, por oposição às gravações caseiras ou o que quer que seja que fiz antes. Foi isso que quis dizer, não necessariamente que queria recriar uma coisa que alguém fez, ou fazer um álbum que seja tão bom ou tão relevante daqui a 20 anos". Em seguida, num aparte: "Mas sabes pá... Temos de apontar alto!"

Sobreviver ao colapso

Claro que há pose em tudo isto - desde o menear de ancas de Elvis Presley que o rock'n'roll não vive sem pose. Mas é, digamos, pose sem medir as consequências da pose. No ano passado, enquanto ia crescendo o fenómeno à sua volta, Williams entrou numa espiral de excessos que culminou num espectacular colapso no festival Primavera Sound, em Barcelona.

Demasiado pedrado, incapaz de tocar ou cantar o que quer que fosse, insultou o público, os técnicos de som e o baterista que o acompanhava até ser corrido de palco, o que aconteceu depois de um momento humilhante: o colega a despejar-lhe um copo de cerveja pela cabeça abaixo. Patético: Nathan Williams a escorrer cerveja, o baterista a abandonar o palco e ele a berrar qualquer coisa como "ordeno-te que voltes."

Depois desse concerto, que levou ao cancelamento dos dois que estavam marcados nos dias seguintes em Portugal, Williams tornou-se alvo fácil. O pedido de desculpas não ajudou. Explicou que lhe aconteceu o que aconteceria a qualquer um que tomasse um cocktail de Xanax e "ecstasy" antes de dar um concerto e, a partir daí, esteve a um passo de se tornar um verdadeiro falhado, não o falhado glorioso que encarna nas canções.

Dias antes do colapso catalão, dera uma entrevista ao Ípsilon, sobressaindo como um tipo a viver coisas que nunca esperara viver, mas disposto a seguir em frente sem preocupações de maior. Para quê preocupar-se? "O mais provável é que daqui a dois anos toda a gente me tenha esquecido, e não há drama nisso", disse. "Nunca fiz música para as pessoas ficarem a saber que existo. No início, nem pensei em mostrar as minhas canções. Acontece que me coloquei nesta posição e agora estou a caminhar segundo os impulsos." Ei-lo então em 2010, um colapso e vários impulsos depois.

Stephen Herring, o produtor que conta no currículo com nomes como Modest Mouse ou Elvis Costello, explicou ao "LA Weekly" que Williams é "um pedrado de jogos de consola, mas ao mesmo tempo, é muito motivado e apaixonado no que à música diz respeito." Explica: "No estúdio, exigia mais de si do que eu exigiria. Algures lá no fundo está alguém a atingir qualquer coisa". Está, para além do imagem "trash", um fanático do hip-hop que escolheu, como melhor música de 2009, "Green light", de John Legend e Andre 3000, e que escolhe como sonho de carreira conhecer Lil Wayne. Um músico que destaca os Wire, os Nirvana, os Beach Boys ou os New Order como referências clássicas, que aprecia os livros de Kurt Vonnegut e que faz questão de informar que nas maquetas originais de "King Of The Beach" "pode-se ouvir o ‘Seinfeld' em fundo" - "em todas elas", acentua.

Mais do que "Beavis & Butthead"

Nathan Williams encarna na perfeição o tipo dado a piadas de série juvenil pateta, falando entre gargalhadas do quanto adoraria ter uma prancha de surf feita de erva, com Garfields estampados e o slogan "allergic to Mondays" ["alérgico às segundas-feiras"]. Tem o mesmo discurso que os seus companheiros de banda, óptimos músicos que preservam uma imagem "Spinal Tap do grunge" e que, de acordo com ela, desdenham quaisquer resquícios de intelectualidade: "Todos abandonámos a universidade porque somos burros", dizia o baterista recentemente, perante o público "hipster" de Nova Iorque. Mas esta apropriação do niilismo boçal de uns "Beavis & Butthead" não é simples vacuidade. É uma reacção com vontade de confrontação.

Num artigo no "New York Observer", uma recém-graduada que produzia concertos na sua faculdade contou que Jay Reatard ou os Wavves atiravam piadas e provocações ao público literato que tinha à sua frente. Ela não se irritou. Percebia que, na verdade, com a diferença de uns estarem em palco e outros na plateia, estavam todos no mesmo barco. "É difícil chateares-te com as pessoas que gozam com estas escolas janotas, porque pensas ‘hmm, talvez tenhas razão - passei tudo isto e não tenho emprego'".

Por isso eles olham para trás. "Muitas das minhas canções reflectem o que passava na altura", dizia Nathan Williams ao Ípsilon em 2009. "Tinha deixado a faculdade e o trabalho e não tinha quaisquer perspectivas. Quando éramos mais novos, não tínhamos de nos preocupar com um emprego, não tínhamos de nos preocupar com nada. Íamos à praia e tudo parecia mais fácil. O mundo parecia mais fácil".

E, por isso, os Wavves de "King Of The Beach", a recém-graduada e o pessoal aos saltos na "canção mais aborrecida do novo disco" olham em frente: tomar o mundo de assalto, isso seria de facto qualquer coisa.

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