Escândalos, contrapartidas perdidas e um submarino

Foto
O Tridente entrou a 2 de Agosto na barra do Tejo Foto: DR

Marinha celebra hoje oficialmente chegada da nova geração de submersíveis. Primeiro o Tridente. Segue-se o Arpão.

"Como sabe, as missões dos submarinos são secretas." Foi assim que o gabinete de Relações Públicas da Marinha se recusou a revelar ao PÚBLICO qual a primeira missão dada à mais recente arma das Forças Armadas portuguesas. Numa frase, condensava-se a principal vantagem militar dos submarinos e a razão pela qual a sua aquisição é tão mal compreendida e mesmo contestada.

O princípio do fim dos 12 anos que demorou a constituição da 5.ª Esquadrilha de Submarinos da Marinha iniciou-se em Agosto. No mesmo dia (2 de Agosto de 2010) em que o Tridente atracava na Base Naval do Alfeite, o desgastado Barracuda passava ao "estado de desarmamento para abate" por despacho do chefe de Estado-Maior Armada, publicado em Diário da República. A recepção foi espartana, estando a cerimónia oficial marcada para esta manhã na Base Naval do Alfeite, em Almada.

Ao Barracuda estão agora a ser re- tirados todos os equipamentos do recheio, incluindo armas, combustíveis, comunicações, hélices e os que puderem ser reutilizados sê-lo-ão. Este submarino tinha já recebido material retirado do Delfim e do Albacora, o que lhe permitiu "viver" durante mais cinco anos. Fonte da Marinha disse que ainda não se sabe se o Barracuda será desmantelado ou se passará a peça de museu.

Para trás ficavam 12 anos carregados de polémicas. Foi em 1998 que Jaime Gama, presidente da Assembleia da República (AR) e então ministro da Defesa, lançou o Programa Relativo à Aquisição dos Submarinos. Dez anos depois, em Julho de 2008, a sua mulher, Alda Taborda, apadrinhou o baptismo do Tridente. Mas nem a alta patente das madrinhas dos dois submersíveis - a do Arpão foi Maria Barroso - impediu que as críticas à aquisição viessem de dentro do PS. Em Outubro de 2009, Almeida Santos, presidente do PS e ex-presidente da AR, ainda dizia que "Portugal não precisa[va] de submarinos para nada".

E se a batalha pela justificação de um investimento de 1048 milhões de euros já era difícil, as investigações criminais foram um desastre de relações públicas. Actualmente há três processos a decorrer. O mais devastador chegou da Alemanha. Em Abril, a justiça alemã prendeu e indiciou um conjunto alargado de administradores da Ferrostaal, empresa do consórcio vencedor do concurso.

Três processos

Foram detidos altos funcionários da empresa por suspeita de suborno. O caso chegou a Portugal com uma descrição pormenorizada do esquema montado para garantir que o negócio pendesse para a Alemanha. Alegadamente desde 1999 que a Ferrostaal pagava contratos de consultoria para estes influenciarem a decisão. O contra-almirante Rogério d"Oliveira, cônsul honorário em Munique, foi implicado, suspeitando as autoridades alemãs que as luvas eram pagas através de uma empresa do Grupo Espírito Santo (Escom), utilizando contas bancárias angolanas.

Entretanto, em Portugal, arrancaram duas investigações, estando uma já em fase de instrução. Sete gestores portugueses e dois alemães foram acusados de lesar o Estado em cerca de 34 milhões de euros em negócios entre empresas portuguesas e alemãs que eram dadas como resultantes da intervenção do consórcio alemão GSC, e contabilizadas como contrapartidas. Há ainda a investigação do Ministério Público por suspeita de corrupção, envolvendo o então ministro da Defesa, Paulo Portas, e o responsável pelas finanças do CDS, Abel Pinheiro.

Como se tal não bastasse, o contrato de contrapartidas nunca foi aplicado como esperado. A situação tornou-se de tal forma gritante que o agora titular da Defesa, Augusto Santos Silva, classificou a forma como o anterior executivo o geriu como um "embuste".

Em Abril, o Ministério da Defesa confirmava que dos 1210 milhões de euros esperados em contrapartidas, 60 por cento não estavam executados. Em 2009, já o deputado do PS Ventura Leite elaborara um relatório no Parlamento condenando a actuação do Estado como "negligente e incompetente". Desde então que a Comissão de Contrapartidas negoceia com as empresas uma nova forma de as garantir.

A derrapagem financeira também não ajudou. No contrato assinado por Portas, em 2004, os dois submarinos custavam 769 milhões de euros. Os atrasos empurraram esse valor para os 832 milhões. Juntando os 215 milhões de juros, chega-se ao assustador valor de 1048 milhões de euros. Perante estes custos, desapareceu a pretensão de comprar um terceiro submarino.

As peripécias durante o concurso fizeram igualmente mossa. Houve acusações de batota ao consórcio alemão. Durante o Governo de António Guterres, o GSC alterou o modelo inicial que levou a concurso e foi o contra-almirante Gonçalves de Brito que o denunciou num depoimento no Tribunal Central de Instrução Criminal. "Quando o consórcio alemão passa a integrar a short list [1999] apresentou um submarino completamente diferente." O ex-ministro da Defesa Castro Caldas, ainda tentou desmontar a acusação garantindo que "houve evolução técnica de ambas as propostas". Mas o estrago já estava feito.

Sugerir correcção
Comentar