Câmaras devem fazer passeios para os peões

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ENRIC VIVES-RUBIO

Falta de planos municipais de segurança rodoviária pode levar Governo a torná-los obrigatórios

O presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, Paulo Marques, lamenta que as cidades não tenham acompanhado o esforço de prevenção feito ao longo destes anos na rede rodoviária nacional, e aponta o elevado número de atropelamentos nas zonas urbanas como prova dessa lacuna.

Entre Janeiro e Março foram atropeladas em passadeiras 310 pessoas. Como é possível?

Isso pode querer dizer que ou as passadeiras não estão correctamente colocadas, ou os peões ou os condutores não respeitaram a passadeira. O peão só tem prioridade sobre o veículo, quando já está a atravessar. Não é aceitável existir um número de acidentes graves tão elevado como hoje existe em meio urbano. E os atropelamentos têm aí uma expressão muito grande. Praticamente metade das vítimas de acidentes morrem dentro das localidades. O que é normal na União Europeia é essa percentagem rondar os 30 ou 35 por cento. Em Janeiro, e segundo o novo indicador de apuramento de sinistralidade rodoviária - que inclui as mortes que ocorrem no mês seguinte ao acidente -, das 83 mortes registadas 23 eram peões. É um número demasiado elevado.

Em que concelhos há maior incidência de atropelamentos?

Não sei dizer. Mas vamos fazer chegar essa informação às autarquias.

Com a população a envelhecer não se vê uma política de segurança virada para a terceira idade...

As cidades alteraram-se para se adaptarem ao automóvel, alargando faixas de rodagem e criando estacionamento - por vezes até ao ponto de se esquecerem das pessoas. Por questões ambientais e de segurança rodoviária temos agora de fazer o caminho inverso. Até aqui foram inauguradas pelos municípios obras muito apetecíveis - escolas, pavilhões desportivos, bibliotecas. Mas há muitas escolas que não têm passeios para lá chegar e onde a sinalização praticamente não existe ou está mal colocada. As cidades não têm acompanhado o esforço de prevenção feito ao longo destes anos na rede rodoviária nacional. As autarquias deviam dedicar a próxima década a fazer passeios para peões, embora a sua inauguração não seja tão apelativa.

O que está a fazer a esse nível o organismo que dirige?

Estamos a fazer tudo para que as câmaras avancem com os planos municipais de segurança rodoviária. Para conseguirmos manter a tendência decrescente de sinistralidade nos próximos anos temos de conseguir reduzir significativamente os acidentes em meio urbano.

São planos obrigatórios?

Pelo menos por enquanto não são e a nossa intenção é que nem sequer seja preciso serem-no. Propomos que as autarquias criem os seus observatórios de segurança rodoviária, com equipas multidisciplinares de técnicos que analisem os acidentes e que introduzam medidas de acalmia de tráfego - como a redução de velocidade, melhorando ao mesmo tempo as condições de circulação dos peões. Pretendemos que as intervenções das autarquias no espaço público - saneamento, iluminação pública, pavimentação - incluam medidas de segurança rodoviária. Neste momento o único plano que conhecemos é o da Câmara de Mafra, embora existam outros em desenvolvimento. Acho pouco: gostava que todas já tivessem avançado para os planos.

Senão?

Eventualmente encontraremos soluções com a Associação Nacional de Municípios Portugueses para serem adoptados de forma obrigatória. Neste segundo semestre do ano vamos perguntar às autarquias se avançam com os planos.

Que medidas podem tomar as autarquias para reduzir a sinistralidade?

Podem estreitar as faixas rodagem, reformular o espaço público nas zonas centrais das localidades, onde o betuminoso pode ser substituído por calçada... Pretendemos que os veículos sejam obrigados a circular mais devagar. Numa estrada rural que atravesse uma localidade o condutor fica sujeito a uma placa de limite de velocidade de 50 km/h que não chega. É preciso que ele perceba que o ambiente mudou e que está numa estrada urbana - e aí se passarem a existir passeios largos e a faixa de rodagem se estreitar ele vai entender.

Há condenações em tribunal de autarquias por falta de sinalização ou de passeios?

Que eu tenha conhecimento não. A nossa postura não vai no sentido de encontrar culpados, mas este assunto ainda não está na ordem no dia, nem na prática das autarquias. Às vezes estamos a falar de coisas como mudar um contentor que está junto a uma passadeira e tapa a visibilidade a uma criança que a vá atravessar.

E as zonas 30?

São zonas no centro das cidades ou em bairros residenciais onde o peão tem prioridade e os veículos circulam a um máximo de 30 km/h. Geralmente não há separação entre passeios e faixas de rodagem. Iremos introduzir essa figura na revisão do Código da Estrada, que penso que deverá avançar no ano que vem. A partir daí as cidades vão poder passar a usar este novo sinal de trânsito nos locais que escolherem.

Que legitimidade há para apelar ao civismo, quando um carro do Estado abalroou outro na Av. da Liberdade?

Não existe Estado no sentido que lhe está a dar. Existem pessoas que trabalham para o Estado. Os motoristas do Estado estão sujeitos ao Código da Estrada como quaisquer outros automobilistas. Os actos ficam com quem os pratica.

Os radares de controlo de velocidade funcionam?

No âmbito da estratégia nacional de segurança rodoviária vamos colocar radares fixos nas estradas onde existe forte concentração de acidentes motivados pela velocidade. Numa fase inicial serão 30 equipamentos que rodarão por 90 locais devidamente identificados. Nos locais onde já existem radares a sinistralidade praticamente deixou de existir.

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