Lobo Antunes assegura que nunca faltaria a encontro por "medo do confronto físico"

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Escritor não gostou do aproveitamento político da visita a Tomar Rui Gaudêncio

Escritor explica que cancelou ida a iniciativa literária por ter havido um aproveitamento político de um dos organizadores

António Lobo Antunes garante que só quem não o conhece pode acreditar que tenha faltado a um encontro literário, no sábado, em Tomar, por "medo do confronto físico" com um grupo de militares reformados que tinham ameaçado agredi-lo. "A cobardia não é decerto um dos meus defeitos", explicou ao PÚBLICO o escritor, lembrando que correu "várias vezes risco de vida" durante a guerra colonial. 

Lobo Antunes está, por isso, "chocado e ao mesmo tempo com vontade de rir" com as "razões de segurança" invocadas em seu nome pela Entidade Regional de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo, uma das promotoras da iniciativa, depois de o escritor ter cancelado a sua ida a Tomar.

Lobo Antunes contou que estava a caminho daquela cidade quando soube que a Entidade Regional de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo tinha feito um "aproveitamento político" da sua visita, ao citá-lo como exemplo de que "os portugueses famosos valorizam as férias cá dentro" e como sendo uma resposta ao apelo do Presidente da República para que os portugueses passem férias no país. 

Por essa razão, o escritor regressou de imediato a casa, mas o vice-presidente daquela entidade, Manuel Faria, disse que o autor tinha alegado "razões de segurança", já que um grupo de militares reformados tinha prometido agredi-lo pelas suas afirmações sobre a guerra colonial.

António Lobo Antunes admite que o tema da guerra é sempre "quente e sensível" e, por isso, percebe algumas das reacções às declarações que fez durante uma entrevista publicada no livro Uma Longa Conversa com António Lobo Antunes, do jornalista João Céu e Silva, publicado em 2009. Apesar disso, "reitera a responsabilidade" do que disse e sublinha: "É muito perigoso escrever porque nem sempre se faz uma leitura mais profunda do que é dito e há coisas que estão mal interpretadas. Não se pode confundir a linguagem simbólica com a literal." Lobo Antunes faz também questão de expressar o seu "respeito" pelos militares - "o meu avô, que era o meu maior orgulho, foi militar até à ponta das unhas" -, mas esclareceu que "não faltaria a nada por cobardia". "Nunca tive medo do confronto físico e não é agora que vou ter."

Num dos parágrafos mais polémicos do livro, Lobo Antunes afirma: "Eu estava numa zona onde havia muitos combates e para poder mudar para uma região mais calma tinha de acumular pontos. Uma arma apreendida ao inimigo valia pontos, um prisioneiro ou um inimigo morto outros tantos pontos. E para podermos mudar, fazíamos de tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava e, como quando estavam mortos valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros."

O parágrafo tem valido várias acusações em blogues na Internet e, em Julho, chegou uma queixa-crime ao chefe do Estado-Maior do Exército onde se alega que Lobo Antunes descreve "um chorrilho de infames mentiras", segundo a edição de sábado do Expresso. O Estado-Maior do Exército respondeu que se trata de uma "obra de ficção". Entre os militares estará o coronel Morais da Silva, ex-chefe do Estado Maior da Força Aérea.

O escritor diz "concordar" com a resposta do Estado-Maior à queixa e defende que "quanto mais simbólica é a linguagem mais verdadeira se torna". E assevera que o tema acarreta "reacções emocionais fortes", até porque "a guerra colonial foi profundamente injusta". "Pode esquecer-se a guerra mas ela não nos esquece. Deu cabo da nossa juventude e há-de dar cabo da nossa velhice. A negação de nada serve e a guerra continua a ser uma experiência muito dolorosa para mim. Quando venho de um almoço com os meus camaradas essa noite é muito difícil. Todos nós morremos um bocadinho na guerra."
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