Torne-se perito

Quase 100 mil hectares de regadio público ultrapassaram o seu tempo de vida útil

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Há sistemas que necessitam urgentemente de serem recuperados

Vão ser precisos mais de 30 milhões de euros para recuperar e requalificar apenas oito das 49 infra-estruturas hidroagrícolas que se encontram obsoletas ou degradadas

Cerca de dois terços dos 25 aproveitamentos hidroagrícolas colectivos construídos e equipados pelo Estado no continente nos anos 60 do século passado, para fornecer água a quase 100 mil hectares de regadio, atingiram o seu tempo de vida útil. Esta informação está expressa num estudo elaborado pela Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGARD), entidade que gere os sistemas de regadio nacionais.

O documento acentua que há equipamentos de rega que se encontram em situação de "colapso total" e que nestas condições "não é possível garantir o fornecimento de água aos beneficiários" de rega de norte a sul do país. Assim, "torna-se essencial que se dê cada vez mais atenção" à necessidade de intervenção nestes aproveitamentos de modo "a assegurar a sua renovação", adianta o estudo.

A dimensão das anomalias detectadas impõe uma intervenção que garanta a continuidade do regadio nos sistemas a necessitar de urgente recuperação ou requalificação, mas, como os recursos financeiros "são escassos", terá de haver "escolhas criteriosas" por parte da Autoridade Nacional do Regadio (ANR).

Mesmo assim, a "Operação de Reabilitação das Infra-estruturas Agrícolas", financiada pelo Programa de Desenvolvimento Regional (Proder), exige um investimento superior a 30 milhões de euros, quando inicialmente estavam previstos 21 milhões de euros. A ANR vistoriou 49 situações correspondentes a 15 aproveitamentos, mas só oito infra-estruturas hidroagrícolas é que vão ser sujeitas a obras de recuperação ou de requalificação, em função da verba disponibilizada no Proder.

Aos sinais de degradação que apresentam os sistemas de regadio de norte a sul do país junta-se o abandono progressivo de áreas de rega. José Núncio, presidente da Federação Nacional de Rega (Fenareg), dá o alerta: "Em 1989 existiam no continente 650 mil hectares de terras regadas. Em 2007 foram utilizados 422 mil hectares." Em pouco mais de sete anos deixaram de ser cultivados 234 mil hectares de regadio, uma quebra substancial que dificilmente será atenuada com os 110 mil hectares do sistema de Alqueva que estarão prontos até final de 2012, mas onde já é patente a baixa procura das culturas regadas, quando está concluída cerca de metade da área a regar que o projecto engloba.

O 3.º Congresso Nacional de Regadio, realizado em Beja no passado mês de Maio, deixou claro que o modelo até aqui seguido para o regadio terá de ser reequacionado.

O ex-ministro da Agricultura, Armando Sevinate Pinto, durante a sua intervenção no evento destacou que o país "está longe de atingir patamares razoáveis na gestão da água e do regadio" e sugeriu aos utilizadores deste modelo agrícola e à tutela que devem "priorizar-se" os regadios existentes em detrimento de novos sistemas.

Também a nível mundial a situação não é melhor. Rui Fragoso, docente na Universidade de Évora, sublinhou que, só na segunda metade do século XX, o Banco Mundial "apoiou a construção por todo o mundo de 45.000 barragens" para dar apoio a 389 milhões de hectares de regadio.

No entanto, este modelo tinha dois pressupostos que acabaram por "asfixiar" o sistema.

Incentivou o crescimento da procura, de que resultaram para o presente "impactes ambientais tremendos", a um ponto tal que nos anos 80 "o modelo entrou em crise", observou o docente, frisando que "hoje já não se defendem este tipo de investimentos" na medida em que a maior parte deles tem custos sociais elevados, expressos na "diminuição da oferta de água, a par do aumento da sua procura", salientou.

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