Encontros múltiplos com Kazuyo Sejima

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Os irmãos Aires Mateus encontram-se com o arquitecto holandês Rem Koolhaas e a artista canadiana Janet Cardiff na Bienal de Arquitectura de Veneza. "People Meet in Architecture" são os estados gerais da arquitectura, hoje, entre a permanência e a efemeridade

Foi com uma ideia de partilha, e de confronto, que a arquitecta japonesa Kazuyo Sejima, comissária convidada da 12.ª Bienal de Arquitectura de Veneza, lançou "People Meet in Architecture", um conjunto de exposições que cruzam o trabalho de arquitectos, artistas, arquitectos paisagistas e engenheiros. Privilegiando claramente a ideia da arquitectura como uma prática de intersecção, Sejima escolheu cerca de 40 autores, entre os quais o atelier lisboeta Aires Mateus. "Voids", uma instalação a partir de oito projectos de casas em Portugal, é a proposta de Manuel e Francisco Aires Mateus para este evento paralelo à representação oficial portuguesa.

Para se situar a proposta dos Aires Mateus em "People meet in Architecture", é necessário cruzar os nomes e o significado dos trabalhos que Sejima elegeu e que propõe que vejamos em confronto. Dos ateliers escolhidos emergem vários tipos de perfil, desde os globais Rem Koolhaas e Herzog & de Meuron, até arquitectos mais jovens e com trabalhos de escala circunscrita aos países de origem, como o espanhol Anton Garcia-Abril, o suíço Christian Kerez ou os chilenos Pezo von Ellrichshausen. Não há qualquer ligação imediata entre estes arquitectos - por vezes até trabalham com premissas opostas -, a não ser a radicalidade e o rigor. E por isso, eventualmente, um título tão abrangente como "People meet in Architecture".

Boa parte dos convidados usa a arquitectura também como estratégia de acção performativa ou efémera, questionando o significado mais tradicional do trabalho do arquitecto. Esta abertura a novas possibilidades da arquitectura, a que a contemporaneidade se vê obrigada mas também acolhe entusiasticamente, está nas propostas dos berlinenses RaumLaborBerlin, que utilizam insufláveis efémeros para criar espaços urbanos colectivos, ou dos norte americanos Aranda Lasch. Mesmo os artistas escolhidos trabalham com fortes ligações à arquitectura, como o escultor Tom Sachs, que utiliza maquetas de edifícios célebres nas suas instalações, ou a artista canadiana Janet Cardiff, que constrói espaços arquitectónicos, materiais ou imateriais. Em Veneza, Cardiff irá mostrar uma peça de 2001, "Forty Part Motet", onde os cantores de uma peça do compositor renascentista Thomas Tallis são substituídos por 40 colunas de som abraçando um espaço.

Temos assim reunidos temas que emergem do trabalho da própria Sejima - o transitório e a leveza, a imaterialidade, o fascínio pela componente táctil dos materiais, a condição artística da arquitectura e a informalidade no modo de habitar. Talvez por isso ela tenha também incluído o trabalho do seu sócio Ryue Nishizawa na exposição.

Casas-mistério

Manuel e Francisco Aires Mateus optaram por mostrar oito casas que não estão ainda construídas. O modo de visitar estes projectos vai muito para além da sua representação como obras de arquitectura. Eventualmente não poderá sequer falar-se em representação. São objectos de arquitectura e, ao mesmo tempo, uma tomada de posição acerca do que interessa aos Aires Mateus enquanto arquitectos. Uma posição que mostra dois arquitectos progressivamente mais livres e disponíveis para o risco, procurando novas conjugações de arquétipos, ou simplesmente modos de fixar a subjectividade formal.

Se, por um lado, Manuel e Francisco Aires Mateus estão próximos dos restantes autores da exposição no modo como entendem a arquitectura com uma fortíssima carga conceptual, por outro estas obras apelam a temas menos consensuais hoje, como o da permanência, com espaços definidos por espessas paredes e configurações que nos remetem para o mundo arcaico. Este contraponto à fragilidade dominante (por opção ou, na maioria dos casos, por coacção) é uma das características mais particulares da dupla portuguesa.

Em Veneza podemos percorrer as oito casas de "Voids" e vê-las como elementos volumétricos na paisagem, mas também como espaços habitáveis. Ali estão, escavados, os vazios interiores e exteriores onde podemos imaginar pessoas e localizações - a exposição inclui até postais com fotografias, a preto e branco, dos vários lugares que as vão receber. Mas todas estas obras podem ser também outra coisa, fora do seu enquadramento inicial. A força das casas que os Aires Mateus levam a Veneza reside na capacidade de se libertarem do contingente e do imediato.

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