"Saneamento necessário" ou "machadada"?

Não são unânimes as opiniões quanto aos méritos ou perigos da legislação que obriga os serviços do Ministério da Cultura a tomar uma decisão sobre os imóveis em vias de classificação, sob pena de os respectivos processos caducarem. "A caducidade dos processos "em vias" desde há muito tempo irá permitir, por assim dizer, um saneamento processual e pode ser que este, se for bem conduzido, traga vantagens, especialmente sensíveis em áreas densamente urbanizadas", observa Paulo Pereira, antigo responsável do Instituto Português do Património Arquitectónico. Além disso, sublinha, "continua a existir a possibilidade de reabrir a instrução do processo de classificação".

Esta é também uma vantagem apontada pelo director regional da Cultura de Lisboa, João Soalheiro. "Não vou pactuar com situações que ponham em perigo o património", assevera. Claro que a reabertura de um processo a seguir à sua caducidade implica mais procedimentos burocrático-administrativos. "Mas o processo de classificação da Avenida da Liberdade deve ser reaberto se caducar", defende. "É um processo difícil, emaranhado, mas pode ser-lhe dado um novo impulso classificatório isento de interferências e envolvendo já a Câmara de Lisboa", sugere.

Nova lei pode ter riscos

Antigo dirigente desta autarquia e líder da associação Ofícios do Património e da Reabilitação Urbana, o arquitecto Filipe Lopes mostra-se menos optimista. "Pode ser mais uma machadada para o património", adverte. Esse é também o receio de alguns técnicos do Igespar, organismo que Filipe Lopes sabe ter poucos meios para levar a cabo o levantamento de imóveis em curso. "Este tipo de medida só devia ser tomada se fosse dado tempo aos serviços para fazer o trabalho", opina.

Já para Paulo Ferrero, da associação Fórum Cidadania, é certo que a nova lei comporta riscos. Mas como a protecção legal "de pouco valeu" aos imóveis que dela foram beneficiando ao longo dos anos, e que "foram sendo adulterados", apesar da classificação, o drama não é assim tão grande.

"A alternativa era ver os processos eternizarem-se, como até aqui", contrapõe o director regional da Cultura de Lisboa e Vale do Tejo. "O prazo de um ano suplementar que a lei prevê a título excepcional para tomarmos uma decisão é um ponto-chave", explica um técnico que tem acompanhado o processo.

"A nossa relação com o património não deve ser só de saudosismo", refere por seu turno a directora regional da Cultura do Algarve, que deixa no ar uma pergunta: "Por outro lado, classificar implica tratar, cuidar. Haverá capacidade de ter tantos monumentos classificados?"

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