Os pântanos vão morrer de secos, se nada se fizer

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Para já só há planos e projectos para salvar os pântanos Nuno Ferreira Santos

A antiga Mesopotâmia não nasceu no actual Iraque por acaso. Os acasos da história são outros. A Mesopotâmia, que significa a terra "entre rios", nasceu ali porque para ali correm o Tigre e o Eufrates. Por isso, houve Suméria e Babilónia e Assíria. Por isso há pântanos e por isso houve Bagdad, construída de raiz para ser capital do califado abássida (750-1258), que era um império. Sem água só há deserto e no deserto não nascem civilizações.

Com 30 anos de guerras e de sanções internacionais depois da chegada de Saddam Hussein ao poder, o Tigre e o Eufrates estão a secar. Em 2009, os caudais chegaram aos mínimos desde que há registo e a ONU tenta agora pôr em marcha um plano de emergência para salvar o Iraque. Os pântanos, que Saddam tentou matar, têm as suas próprias necessidades, mas, como o resto da antiga Mesopotâmia, vão morrer de secos, se nada se fizer.

Em 2003, o Ministério dos Recursos Hídricos decidiu criar um gabinete a que chamou de Refrescamento dos Pântanos. Abdul Kadum Lehmood Yasser é o seu director: "Não podemos negligenciar a seca, que actualmente é um problema devastador na nossa região. A ONU comparou esta seca a ter-se arrancado um pulmão ao mundo. Outro problema é a água que os países vizinhos não deixam chegar ao Iraque, já que não há nenhum acordo de partilha de rios em vigor. E um desafio diferente é a administração da água, que no Iraque sempre sofreu de falta de organização."

Tudo por fazer, portanto. Yasser já fez do Iraque signatário de alguns tratados internacionais importantes. Agora é preciso convencer a Síria - de onde vem o Eufrates -, a Turquia - de onde corre o Tigre - e o Irão - que partilha o Shat-al-Arab com o Iraque.

Com a Síria e com a Turquia o país assinou há quase um século um acordo que dita que os países da região devem respeitar os direitos à água dos outros e que nenhum Estado pode iniciar projectos que afectem o caudal de água que chega aos restantes. Mas os vizinhos do Iraque prosperaram, enquanto o Iraque definhou. E mesmo se "o desrespeito da Turquia pelas quantidades de água [para o Iraque] é idêntico à recusa de respeitar a fronteira", não há nenhum acordo que estipule a quantidade de água que deve atravessar a fronteira e os vizinhos lá foram construindo as suas barragens.

Yasser acredita que os interesses económicos e a pressão internacional vão acabar por fazer pender a balança para o lado iraquiano. Assim a seca ajude. Três empresas europeias já se retiraram de um projecto para uma nova barragem na Turquia, sublinha. Os turcos ainda querem entrar na UE, e "isto prejudica a sua situação".

Salvar os pântanos é salvar 500 mil pessoas que dependem de uma área de 6000 quilómetros quadrados e que Saddam encolheu até cinco a dez por cento do seu tamanho original, erguendo barreiras de terra com sete metros de altura. É salvar um modo de vida, salvar a natureza e a História.

Não é só uma questão nacional. "A importância internacional dos pântanos levou a que fossem incluídos num acordo que protege as zonas húmidas. Têm uma diversidade biológica extraordinária, são zona de migração de muitos pássaros. Os animais e as plantas que ali vivem têm um ciclo que vida que depende da água doce e da água salgada. Há ruínas e um modo de vida com aspectos que se mantêm desde os sumérios", resume Yasser, no seu gabinete de Bagdad.

"Nós temos projectos para reduzir o sal que vem do Golfo e para manter água armazenada. Assim, nos anos de carência poderemos empurrar o sal em excesso para o mar. Há muitas soluções e ainda estamos na primeira fase de todas. Estamos a construir pequenas barragens e há mais planeadas. Ainda não chegámos às quantidades de água necessárias para cobrir os 6000 quilómetros. O ministério já assinou um contrato com duas empresas italianas e encomendou um estudo sobre os problemas de água e como os resolver nos próximos 30 anos, das fronteiras até aos pântanos." Sofia Lorena, Bagdad

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